Walla Walla, seus lindos.

Depois que escrevi o artigo sobre o Calendário Dekatrian, algumas pessoas vieram me perguntar sobre a necessidade do dia extra, o tal dia fora do tempo. Isso me deu uma ideia de poder falar sobre ciência, matemática, natureza e tudo mais, enquanto de quebra explico sobre o calendário. Eis esse artigo:

Existem 3 ciclos básicos que ocorrem no nosso planeta. Existem muitos outros, mas os mais básicos são três. O problema é que eles não estão sincronizados, o que faz da tarefa de criar um calendário alinhado com todos eles impossível.

O ciclo mais simples é o circadiano, ou ciclo diário, que é o tempo que o Sol leva para dar a volta completa em torno da Terra. Do ponto de vista heliocêntrico, é a Terra que dá a volta em torno do seu próprio eixo. Esse ciclo dura exatamente 1 dia, ou, se preferir, 24hs.

O segundo ciclo é o lunar. A lua dá uma volta em torno da Terra a cada 27d 7 h 43 min 11.5 s (27,32d). Esse é o chamado período sideral. Mas, durante essa volta, a própria Terra se moveu ao redor do Sol de forma que, para a Lua voltar a ter o mesmo alinhamento entre a Terra e o Sol (voltar para mesma fase de lua), ela precisará caminhar mais um pouquinho. Esse período é chamado de sinódico e leva 29 d 12 h 44 min 2,9 s. Convertendo para unidades de dias, dá 29,531d.

O terceiro ciclo, o solar, se repete quando a terra dá uma volta completa ao redor do Sol, que em média leva 365d 5h 48min 45s, ou, em unidades de dias, 365,242d

Temos assim que, quando a Terra dá uma volta completa ao redor do Sol, ela deu 365 voltas ao redor de si, mais 1/4 de volta. Da mesma forma, nesse período, a Lua deu 13,37 voltas ao redor da Terra e completou 12,37 fases completas. Seria muito legal se, de alguma maneira, a Lua e a rotação da Terra estivessem perfeitamente em fase com o ano, mas isso seria um coincidência incrível.

Percebendo que temos 3 engrenagens não alinhadas, nos resta saber quais das engrenagens queremos manter e quais descartar, no nosso calendário.

Poderíamos manter o ano e abrir mão do dia. Basta modificar levemente o dia para ter 24h e 57s que conseguiríamos chegar num ano com exatos 365 dias. Incrível não é mesmo? O que são 57s num dia? Nada. Aposto que muita gente abriria mão de 57s por dia para acabar com os anos bissextos. Mas, espera um pouco. O que exatamente significa essa diferença no longo prazo?

Depois de 6 meses com os dias mais longos teríamos o sol nascendo às 3 da manhã. Depois de 2 anos estaríamos acordando de noite e indo dormir de dia, e almoçando à meia noite. E depois de 4 anos voltaríamos ao mesmo padrão inicial. Será que ignorar completamente a posição do Sol no céu nos faria bem? Nosso corpo conseguiria tranquilamente lidar com esses ajustes sem reclamar? A gente iria gostar de, a cada ano, mudar atividades que a gente fazia de dia para atividades de noite, como se fosse a coisa mais natural do mundo? E tudo isso para, no final das contas, conseguir garantir que nosso ano tenha um número exato de dias?

Fica claro que é melhor deixar o dia quietinho. Isso significa que nossa resolução mínima passa a ser 1d. Não podemos ter nenhum ciclo com frações de um dia, ou teremos que ignorar o ciclo mais básico de todos, que é o diário.

A Lua tem dois ciclos, o sideral de 27,3d e o sinódico de 29,5d. Parece que nosso corpo acabou ficando com uma média de 28d como a escolha para o ciclo mensal, já que esse é o tempo médio do ciclo menstrual (e do ciclo hormonal em geral). Sendo assim, em um ano, temos 13,04 ciclos de 28 dias. Olha que sorte! 13,04 é realmente muito próximo de 13. Poderia ser algo muito pior, algo como 13,84. o que nos levaria a ter meses muito quebrados para fechar o ano (por exemplo, se escolhêssemos 12 meses, reconhece algo?). Mas 13,04 é tão próximo de 13 que fica muito tentador não tentar encaixar isso no ano. É uma oportunidade por demais saborosa. Poderíamos, claro, abrir mão da engrenagem do ano, e ter um calendário apenas Lunar (como é o caso do calendário árabe, por exemplo). Mas o problema disso é que perderíamos completamente o sentido das estações do ano, o sentido de ano novo, o sentido de aniversário, de bodas de casamento, de férias anuais, de décimo terceiro salário, de festa de 15 anos… Preciso continuar? Não é nada legal abrir mão do ciclo anual.

Mas se escolhemos o ciclo mensal tendo 28 dias, precisamos agora apenas lidar com aqueles 0,04 para poder encaixar os meses no ano. E quanto dá 0,04 de 28 dias? 1,12d. Uau, praticamente 1 dia. Mas isso considerando que o ano tem 365,242 dias. Se a gente for trabalhar na nossa escala mínima de 1d, então nosso ano vai ter 365d e nosso erro no ciclo da Lua cai para exatamente 1 dia. Isso é tão incrível que parece mágico. Criamos uma base de 28 dias inspirada pelos ciclos da Lua e que está alinhada com o ciclo hormonal humano, cuja falta de sincronia com o ano é de apenas 1 dia por ano. Além disso, 28 é múltiplo dos 7 dias da semana, mais uma coincidência providencial.

Para arrumar o ciclo do ano sem lambuzar com o dia não tem muito jeito: precisa-se adicionar 1 dia a cada 4 anos (e depois fazer mais algumas correções a cada 100 e 400 anos). Mas, para não ter que abrir mão do nosso novo ciclo mensal de 28 dias (que por pura coincidência está quase alinhado), basta adicionarmos 1 dia no ano.

Agora entram as decisões difíceis:

Decisão 1 – Adicionar 1 dia a cada 4 anos para deixar o ciclo anual casar perfeitamente com o ciclo diário?

Se SIM – Temos que dar um jeito de enfiar um dia em algum lugar do calendário, a cada 4 anos, de uma maneira que não atrapalhe muito (de preferência).

Se NÃO – Abrimos mão do ciclo anual. Isso quer dizer que depois de 100 anos nosso calendário estará praticamente defasado em 1 mês. Depois de 6 séculos o verão vai cair no inverno e vice versa.

Decisão 2 – Adicionar 1 dia a cada ano para encaixar o ciclo mensal no ciclo anual?

Se SIM – Temos que dar um jeito de enfiar um dia a cada ano, do melhor jeito possível, sem sacanear o resto.

Se NAO – Nossos meses ficarão certinhos, mas nosso ano não. Depois de 28 anos perdemos 1 mês inteiro. Depois de 180 anos o verão vai cair no inverno e vice versa.

São decisões muito importantes. Dizer NÃO para as duas é querer empurrar o problema com a barriga. Deixar para, no futuro, as pessoas se virarem com os problemas, ou quem sabe, abrir mão completamente de contar os anos (adeus festa de ano novo, natal e aniversário). Penso que a ideia de um calendário decente é funcionar sem um prazo de validade. Ser uma máquina bem lubrificada que não vai desmontar daqui 100 anos, quando seus netos vão dizer: “Como eram idiotas aquelas pessoas do século passado, que fizeram um calendário torto e agora a gente tem que lidar com esse lixo ou fazer um novo” (nessa hora eu super me reconheço em relação ao calendário Gregoriano).

Por isso tomei as decisões SIM e SIM.

Descobrir onde enfiar 1 dia por ano e 1 dia a cada 4 anos, sem bagunçar tudo, foi um desafio, mas calendários egípcios e maias me serviram de inspiração. Bastava tratá-los como dias especiais, fora dos meses. E assim nasceu o Achronian e o Sinchronian, dois dias que servem para alinhar as rodas dentadas e que, com um desvio tão pequeno, não comprometem a nossa noção da passagem do tempo. É como se você estivesse fazendo uma conta de cabeça longa e complexa, cujo número está com várias casas decimais, e, em algum momento, você arredonda um dos valores para continuar a conta, sem que isso comprometa o resultado final. Todos nós arredondamos coisas o tempo todo. Arredondamos os minutos para múltiplos de 5 (Você fala são 10:04 ou 10:05?). Arredondamos dinheiro para a unidade mais significativa (Vou vender meu carro por 13.542 reais ou 13.500 reais? Você tá me devendo 9,58 ou dérreau?). Arredondamos contas. Enfim… arredondamos o calendário, mas nesse caso por um motivo nobre: Não ter que abrir mão de nenhuma das 3 engrenagens.

Parodiando Niel Armstrong: “Um pequeno arredondamento para o homem, um grande calendário para a humanidade”.

Quais seriam as suas decisões? Comentem.

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