Oi, gente do meu coração, espero que estejam bem, de verdade. Hoje eu vou falar sobre profilaxia pré-exposição, a PrEP, e de como ela é um exemplo do que se pode fazer quando unimos os conhecimentos científicos de diferentes áreas (quando eu falo diferentes, quero dizer diferentes mesmo). Este texto tem adendos e referências, você pode começar por lá ou ler na ordem, sabendo que tem adendos comentados.

Antes de mais nada, gostaria de dizer que, o que inspirou a produção desse texto foi o DrauzioCast de prep e pep . Embora eu já tivesse conhecimento sobre a PrEP e a PEP, não tinha parado pensar no aspecto social que motivou esses medicamentos, nem mesmo em seus impactos. Era “só” mais um grande avanço científico na luta contra o HIV que estava sendo aproveitado pela sociedade.

Lembrando, camisinha é bom, é o máximo, uma revolução e previne contra mais coisas que só HIV. Além de previnir doenças, ainda é um método anticoncepcional muito eficaz , e de produção barata. Tem cheiros, sabores e efeitos diversos. No Brasil, é até distribuída gratuitamente em unidades de saúde. Contudo, seus mil efeitos só  funcionam quando utilizadas e utilizadas corretamente. Infelizmente, isso é um problema e um problema social. Veja bem, do ponto de vista das ciências naturais, nós tínhamos a solução, estava lá, é só usar, e poderíamos parar uma epidemia, mas o contexto social nos conta algo diferente. Tivemos que realizar uma busca ativa para resolver esse problema, e mais, tivemos que entender que problema é esse. Afinal, “Por que a camisinha não parou o HIV? Nem no Brasil? É de graça, porra!”.

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS-2019), realizada de agosto de 2019 a março de 2020 e publicada em maio de 2021, revelou que apenas 22,8% dos participantes disseram ter utilizado preservativo em TODAS as relações sexuais que tiveram nos 12 meses anteriores a realização da pesquisa. Não, você não leu errado. E digo mais, 59,0% dos entrevistados afirmaram não ter usado camisinha NENHUMA VEZ nos 12 meses anteriores a realização da pesquisa.

Vale ressaltar, todavia, que nem todos os casos do não uso do preservativo são, por assim dizer, “totalmente irresponsáveis”. De fato, a própria PNS-2019 apresenta que 73,4% das que afirmaram não ter usado camisinha em alguma relação sexual foi por “confiarem no parceire”. De fato há vários “motivos não irresponsáveis” para não usar camisinha. Pessoas em relacionamentos duradouros e fechados podem optar por não usar enquanto usam um método contraceptivo, quando necessário, tornando essa justificativa mais frequente entre pessoas de idades mais avançadas como a própria pesquisa mostra.

Há, também, pessoas que são adeptas de sexo não penetrativo. Às vezes a relação em si foi mediada por sexo oral. Apesar desses exemplos não serem “irresponsáveis”, eles ainda são possíveis vetores de ISTs, mas é importante identificar certo fator social nessas justificativas. Isto posto, podemos observar como o uso do preservativo é fortemente associado, diria até relegado, ao sexo penetrativo que envolva uma pessoa com pênis. Isso reflete até mesmo em como os estudos sobre a prevenção do HIV são feitos, focando, até hoje, principalmente em homens (cis) que fazem sexo com homens e, quando tratam de pessoas trans, focam em pessoas trans com pênis.

Diante destes problemas eu venho apresentar a vocês a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP). A PrEP é um método de prevenção do HIV que consiste no uso diário, ou sob demanda, de um medicamento antirretroviral antes de uma possível exposição ao HIV.

Figura 1:Frasco de PrEP. As minhas estão acabando inclusive, logo tenho que voltar para fazer acompanhamento.

A PrEP de uso diário, como o próprio nome diz, é uma prevenção que consiste em tomar um comprimido do por dia, todos os dias. Este método promove proteção contra o HIV em 7 dias, para relações sexuais anais e em 21 dias para relações sexuais vaginais. Enquanto a PrEP sob demanda consiste em ingerir 2 comprimidos de 2h a 24h antes da relação e continuar tomando, um comprimido por dia, durante 2 dias. Há também como migrar de um método de prevenção para outro, mas essa informação eu deixarei para vocês ouvirem no Drauziocast pois a explicação detalhada da forma como os procedimentos são feitos e como se muda de um para outro demanda tempo. Além de ser um ótimo podcast, ele cita os estudos diretamente que levaram a tais resultados.

O ponto aqui é: PrEP existe e é eficaz. Ela surge pela união das ciências naturais e sociais para entender e enfrentar um problema. Ela surge pois conseguimos identificar que era necessário diversificar as alternativas dos métodos preventivos para combater uma epidemia. Ela não só surge num ambiente de união e diálogo entre as ciências, ela também tem que ser implementada neste mesmo ambiente pois ainda existem fatores sociais que podem atrapalhar a adesão da PrEP. Um exemplo claro e direto é “o estigma da medicação diária”. De fato, ainda vivemos em uma sociedade que discrimina a pessoa soropositiva (pessoa com HIV) e o uso diário de medicamentos antirretrovirais é uma forma que pessoas usam para identificação de pessoas com HIV na sociedade (mais uma vez: fator social).

Este estigma ainda é tão grande e presente que chega a atrapalhar até mesmo a adesão da profilaxia pós-exposição, a PEP. Vejam só, uma pessoa que sabe que corre o risco de ter sido exposta ao HIV pode não ir buscar a PEP devido a tal estigma. Para vocês terem uma noção, eu já vi isso ocorrendo com um amigo meu. A PEP é como uma pílula do dia seguinte, só que é para o mês seguinte. Ela deve ser administrada até 72h após a exposição e consiste, também, no uso de antirretrovirais durante 28 dias seguidos para evitar a efetivação da infecção pelo HIV. A PEP é, pelo menos até o dia que escrevo este texto, 04 de outubro de 2021, oferecida em todo o Brasil pelo SUS.

Umas das notícias mais impactantes sobre PrEP vem de uma pesquisa realizada no Reino Unido que eu vou deixar linkado aqui. Vale ressaltar que ela foca, mais uma vez, em pessoas com pênis, como eu comentei lá atrás, de forma que eu não consegui encontrar dados dessa pesquisa referentes a outros grupos de pessoas. Se alguém encontrar, agradeço se deixar nos comentários.

ADENDOS

  • Quando eu boto aspas no “irresponsáveis” é para salientar o fator social de certas práticas, todavia, há sim pessoas que vão se expor e expor a outros por pura irresponsabilidade. Seja o clássico caso do pai de família que trai ou até mesmo pessoas que se intitulam de “carimbadores”, pessoas que espalham o vírus de propósito por qualquer motivo que se justifique a eles. Tenho uma amiga que perdeu uma tia assim.
  • A PNS-2019 é uma pesquisa que foca completamente na binaridade do espectro de gênero, resumindo tudo a “homem e mulher”. Isso apaga completamente dados relevantes sobre populações que se identificam fora dessa binaridade, por isso eu resolvi colocar dados que tratam da população em geral, sem especificar gênero.
  • Se teste com regularidade (pelo menos uma vez no ano). Fazer testes para ISTs não é sinônimo de irresponsabilidade, pelo contrário, é rotina. Se vocês acham que se encaixam, vão atrás de PrEP, ela é distribuída pelo SUS, apesar de ter a versão paga também, verifiquem na cidade de vocês. Ocorreu exposição, vão atrás de PEP, por favor, é pela saúde de vocês também. Sobre tudo isso, eu não vou mentir, muitos profissionais da saúde podem te tratar com discriminação só pelo fato de você querer se testar, mas é da sua saúde que estamos falando, vale mais do que o olhar amargo de um velhe chate.
  • A PrEP  é uma escolha só sua, não do parceire, ela serve para lhe proteger, por mais que você confie nelu. A PrEP te protege e protege quem você ama. Quando você se protege além de evitar se infectar você também evita que outros se infectem.

Acho que foi isso, as referências estão aí em baixo. Fiquem bem, sempre que possível.

 

 

 

AIDS e infecção pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada

A influência da estigmatização social em pessoas vivendo com HIV/AIDS

Da evidência à ação: desafios do Sistema Único de Saúde para ofertar a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP) ao HIV às pessoas em maior vulnerabilidade 

O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura

PNS-2019