– Muito prazer. Eu sou uma linguista.

Até o filme A Chegada, muita gente nem sabia que essa área existia. Sei que já tem um tempinho que o filme saiu, mas ele ainda repercute. Bom, pelo menos na minha vida. Resolvi, então, escrever esse texto para tentar explicar um pouco (bem superficialmente mesmo!) sobre essa área tão linda e vasta e que as pessoas sabem tão pouco.

Primeiramente, é preciso diferenciar gramáticos de linguistas. Antigamente eu ficava ansiosa quando algum colega de outra área me dizia “tenho uma pergunta para te fazer”. Hoje não fico mais porque todas as perguntas que ouvi eram para gramáticos: “o uso dessa crase está certo?” ou “aqui cabe uma vírgula?”.

Não os culpo. Os gramáticos foram muito mais bem sucedidos em divulgar seu trabalho. A Dad Squarisi, por exemplo, dá dicas de gramática há séculos em um blog (antes uma coluna) no jornal Correio Braziliense. As demandas imediatas da sociedade também aparentam ser mais gramaticais do que linguísticas: é preciso escrever bem para o vestibular, o ENEM, um concurso, um emprego e por aí vai.

Aí aparece um filme maravilhoso, com uma linguista como protagonista, que nos coloca no mapa, finalmente! E, não sei se vocês repararam, mas ela não estava preocupada em ensinar regras gramaticas para os nossos amigos extraterrestres…

A Linguística, como “estudo científico”, só foi reconhecida no início do século XX com a publicação de Curso de Linguística Geral, em 1916. Antes de disso, obviamente, a linguagem era estudada, mas com uma função satélite a outras áreas como Antropologia, Filosofia, História, entre outras.

O filme A Chegada se baseia na hipótese de Sapir-Whorf, que é associada à tese da relatividade linguística, de 1950, que diz que a linguagem é responsável por moldar a maneira como pensamos.  

Para falar um pouco mais sobre isso, eu queria antes explicar que existem diversas áreas de estudo dentro da Linguística (provavelmente ainda terei deixado alguma de fora, então, se alguém se sentir excluídx pode comentar que eu responderei com o maior prazer).

No começo do filme, quando a protagonista começa uma aula para uma sala quase vazia, ela aborda a área do estudo diacrônico da linguagem. Essa área estuda as mudanças das línguas ao longo dos séculos. Um exemplo é como a junção de diversas línguas (e quais línguas) resultou no português que falamos hoje. Entender as diferenças entre as línguas latinas (francês, espanhol, italiano, português…) é outro exemplo de estudo diacrônico. Uma área super interessante para a galera que se interessa por história!

Outras áreas que dialogam diretamente com a citada acima são a fonética e a fonologia. Nessas mudanças ao longo dos séculos que falei acima, alguns sons se perdem e outros se modificam, as divisões silábicas podem não ser as mesmas. Isso é estudado pela fonética e fonologia, respectivamente. Essas áreas também são responsáveis por analisar sons e criar representações para línguas ágrafas (que não tenham escrita). Imagina que excitante deve ser uma vida imersa em comunidades indígenas!     

A sociolinguística relaciona aspectos sociais e linguísticos como as variações de fala entre pessoas de idades, regiões (urbanas e rurais ou entre estados), classes sociais, sexos diferentes. Você com certeza já reparou a diferença nas pronúncias das palavras de pessoas da cidade e do interior (Opa! Olha a fonética aí de novo!); mas você já reparou que as mulheres tendem a alongar a vogal i, em algumas situações (amiiiiiiga) e que os homens usam menos a variedade padrão (comumente entendida como o “falar corretamente”)? Quem nunca ouviu a frase “Nossa essa doeu o ouvido” quando alguém diz algo do tipo “a gente vamos”? Marcos Bagno, prestigiado sociolinguista brasileiro, explica que alguns erros são mais errados que outros dependendo única e exclusivamente de quem os comete. O preconceito linguístico é social.

A semântica é uma área maravilhosa que trata dos significados das palavras. Para falar dos significados não é possível deixar de fora a cultura que envolve os povos. E aqui voltamos à discussão proposta pelo filme: é possível que a língua determine a forma como pensamos? Um exemplo clássico, mas controverso, é que um esquimó tem diversas formas de se referir à neve. Seu ambiente traria essa necessidade: identificar, por exemplo, uma neve fofa, que acabou de cair, de uma que já esteja dura como gelo seria importante. Viu como a compreensão da cultura e do contexto interferem no estudo da linguagem? Massa, né?

A análise do discurso é meu xodozinho. Assim como as duas áreas anteriores, ela entra na linha Linguagem e Sociedade. A análise do discurso foca em quem está dizendo, o que leva essa pessoa a dizer, em que contexto histórico cultural está sendo dito e o que está por trás dessa fala/escrita. A análise do discurso crítica (foi nessa área que fiz meu mestrado ?) reflete sobre como a ideologia que permeia os atores sociais se manifesta nos seus discursos. É, definitivamente, de explodir a cabeça…

 

A linguística textual valoriza o processo comunicativo que se estabelece entre autor, leitor e texto. Esta, para mim, é fundamental no ensino de língua portuguesa. Você quer escrever bem? Você quer interpretar melhor um texto? O primeiro passo é entender quem está escrevendo e para qual público esse texto é direcionado. Depois, você começa a identificar como os textos se estruturam e o padrão que seguem para que haja comunicação. Enfim… sou suspeita, mas AMO a linguística textual. Poderia fazer um texto só sobre ela.

Temos ainda a linguística aplicada, que vai estudar como aplicar essas teorias em outras áreas como o ensino de línguas ou a própria linguística forense (linha que pretendo estudar no doutorado, mas essa vai ganhar um textinho só pra ela).

“Até agora você não falou da gramática… É isso mesmo? Linguistas não trabalham com gramática?”

Calma! Como eu disse, é uma área de estudo bem vasta. Vamos falar de gramática, então.

Dentro de “Gramática” incluímos estudos de morfologia e sintaxe. O primeiro trata do estudo de partículas mínimas que tenham significado. Tive um professor que defendia que não existe a partícula que determina o masculino em português (!!!!), apenas o feminino -a. Para ele o -o, que entendemos como masculino seria neutro, já que, quando juntamos em um grupo que contenha femininos e masculinos, usamos o “masculino” como geral. O segundo trata das relações dentro das frases, orações e períodos. Ficamos, na visão do senso comum, mais próximos da gramática aqui. Na verdade, não é exatamente assim.  

Deixa eu voltar um pouquinho para falar que a hipótese de Sapir-Whorf perdeu parte da credibilidade com os estudos da Gramática Gerativa, de Noam Chomsky. A Gramática Gerativa identifica um “órgão” dentro do cérebro responsável pelo aprendizado da língua, chamado de Gramática Universal. Essa capacidade inata de aprender uma língua mais a experiência vivida em um contexto específico é que determinarão qual(is) língua(s) será(ão) aprendida(s). Sendo inata e a mesma para todas as pessoas, não seria a língua que determinaria nossa forma de pensar.

Obviamente, passei apenas de raspão por cada uma das áreas citadas. Façam comentários, peçam aprofundamentos, que, dentro do que eu conseguir, responderei.     

Para fechar, façamos um resumão:

Voltando um pouquinho na fonética e fonologia, toda língua é composta por determinados sons (fonética), estes sons se juntam e formam sílabas (fonologia), estas sílabas resultam em palavras e partículas mínimas de sentido (morfologia). Quando essas palavras se agrupam para formar frases, orações e períodos, temos a sintaxe. Quando estudamos os sentidos dessas frases em determinada cultura, temos a semântica. Quando analisamos o texto em seu contexto comunicativo, temos a linguística textual. Quando analisamos a relação língua e ideologia, temos a análise do discurso. Ufa!

E as pessoas me perguntando de vírgula…

 

Referências para quem quiser se aprofundar na teoria ou na discussão do filme:

ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica: brincando com a gramática. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.

LYONS, John. Lingua(gem) e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

MOLLICA, M.C.; BRAGA, M. L.(orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.

ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 7ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2007.

http://www.smithsonianmag.com/science-nature/does-century-old-linguistic-hypothesis-center-film-arrival-have-any-merit-180961284/

http://www.latimes.com/entertainment/movies/la-et-mn-arrival-movie-linguist-20161125-story.html

 


Debbie Cabral

Analista do Discurso. Educadora. Feminista. Eterna aspirante a retirante dos seus lugares comuns. Netflix addict. Ótima para rir, péssima para fazer piadas.