Ocorre que o governo Trump revogou no final de setembro a isenção dada a Índia quanto às sanções para permitir a construção do porto de Chabahar, no Irã, e assim criou um novo dilema para o Governo Modi.
Nova Délhi por sua vez, vê o projeto de infraestrutura do porto iraniano, onde já investiu $370 milhões de dólares, como peça central em sua estratégia regional. A revogação da isenção obriga empresas indianas envolvidas na operação do porto a encerrar suas atividades em até 45 dias (dependendo de quando você estiver lendo já pode ter encerrado), sob risco de congelamento de seus ativos nos EUA ou proibições a transações financeiras internacionais.
Os EUA justificam a medida, como parte de uma campanha de “pressão máxima” contra Teerã para conter o financiamento de proxies regionais, e atinge diretamente os interesses econômicos e estratégicos da Índia, sendo o principal ator indiano no projeto a India Ports Global Limited (IPGL), uma empresa estatal. Por meio de sua subsidiária integral, a India Ports Global Chabahar Free Zone (IPGCFZ), a IPGL firmou um contrato de 10 anos com a Organização Portuária e Marítima do Irã em maio de 2024, assumindo a gestão e ampliação do terminal Shahid Beheshti. O terminal é crucial para o escoamento de ajuda humanitária e produtos indianos para o Afeganistão e países vizinhos, fortalecendo a presença estratégica da Índia na região.
Desde o início das operações indianas, o porto já movimentou mais de 8 milhões de toneladas de carga, incluindo 20 mil toneladas de trigo enviadas ao Afeganistão como assistência humanitária em 2023. Portanto, para a Índia, Chabahar representa mais do que um hub logístico: é uma alavanca essencial para disputar influência e mercados no Oriente Médio e na Ásia Central, regiões onde Pequim e Islamabad avançam com projetos concorrentes. Localizado no Golfo de Omã, o porto oferece uma rota marítima alternativa à instável fronteira paquistanesa, reduzindo em até 800 km o caminho para o Afeganistão e abrindo assim as portas para a Ásia Central. Isso permite que Nova Délhi exporte bens como fertilizantes, produtos farmacêuticos e máquinas agrícolas diretamente para Cabul, evitando bloqueios em Karachi ou Gwadar, onde fica o porto chinês no território do Paquistão que ameaça dominar o comércio regional.
No Oriente Médio, Chabahar fortalece a presença indiana em mercados como os Emirados Árabes Unidos e Omã, facilitando o intermédio do fluxo de petróleo iraniano e conectando-se a corredores que se estendem à Europa e à China. Já perdeu a conta de quantos países foram afetados? A resposta vem mais adiante.
Do ponto de vista econômico, o projeto poderia cortar custos de transporte em até 30% para exportações indianas, impulsionando um comércio bilateral com o Irã que já ultrapassa $2 bilhões de dólares anuais e ampliando o acesso indiano a recursos minerais afegãos, como lítio e cobre, cruciais para baterias por exemplo.
A retaliação americana, mesmo que de forma indireta, acaba se tornando assim mais um ponto a ser negociado no acordo comercial bilateral que a Índia no momento em que escrevo, resiste a avançar. Enquanto Modi expressa “preocupações profundas” sobre o impacto do embargo, a verdade é que sem Chabahar, Nova Délhi perderia não só investimentos diretos, mas também alavancagem estratégica contra a iniciativa do Cinturão e Rota da Seda chinesa. Diplomatas indianos já sinalizam consultas urgentes com Washington, sugerindo que o impasse no porto pode acelerar algumas rodadas de diálogo para o acordo comercial. Quando a nossa brincadeira, eu contei pelo menos 8 países afetados diretamente e mais uns 12 indiretamente para um total de 20 países em apenas uma decisão.
LINKS:
https://archive-yaleglobal.yale.edu/content/tale-two-ports
India sends fresh aid to quake-hit Afghanistan, relief reaches Kabul via Chabahar

