Não sei vocês, mas toda vez que entro em um avião, sempre sou afligida por um sentimento de pânico. Não por conta daquela máxima “Como pode algo mais pesado que o ar voar?”, pois já sou menina crescida e tive professores sensacionais de física. Porém a aflição é decorrente da quantidade de parafernalha que tem em uma cabine, com milhares de indicadores visuais e sonoros para o piloto estar atento, além daquele receio se de fato estão fazendo corretamente a manutenção de tudo, incluindo os sensores que alimentam o computador de bordo.

Um dos sensores fundamentais para a segurança do voo é o Tubo de Pitot (Figura 1) e alguns dos acidentes mais trágicos da história da aviação comercial estão relacionados com o mau funcionamento dessa peça, como foram os casos dos voos AF 447 da Air France, Aeroperú 603 e Birgenair 301. Claro que este tipo de acidente é consequência de um conjunto de erros, porém o entupimento do sensor – por cristais de gelo em sua maioria – faz com que ele não receba a pressão do ar externo e transmita informações errôneas para os instrumentos de navegação, o que é o caos completo. Você gostaria de dirigir um carro de olhos vendados? É, eu também não.

Para quem nunca teve a oportunidade de examinar uma aeronave de perto, o sensor fica na parte de baixo frontal, e o orifício do tubo se encontra voltado para a frente a fim de encarar o ar vindo na direção contrária (em outros casos pode ser também instalado nas asas). Este ar em grandes altitudes também apresenta umidade, o que pode causar o congelamento dessa “água” quando os pilotos atravessam nuvens. A fim de evitar que os cristais de gelo causem o entupimento do sensor, resistências elétricas são colocadas para promover o aquecimento do elemento (olha um exemplo de aplicação interessante do Efeito Joule) e, consequentemente, causar o derretimento destes cristais.

Certo, mas até aqui meio que não expliquei o princípio de funcionamento do pitot, que é de uma simplicidade sensacional. Tá, envolve física e você deve estar virando o olho e bufando pra mim, mas vou usar apenas uma equação e um pouco de gogó para me fazer entender.

Como mencionei anteriormente, o tubo de Pitot é um sensor e ele “sente” o ar, que é um tipo de fluido. Um fluido qualquer possui várias partículas, que podemos enxergar como pontos de matéria. Estudar essa infinidade de pontos dá uma baita dor de cabeça e muito cansaço na vista, por isso são feitas algumas simplificações.

Então, o que é objeto de estudo na verdade são as linhas de corrente (Figura 2), que são os caminhos por onde as partículas do fluido passam. Imagina que é como se você estivesse descalço e enfiasse os pés em um balde de tinta e saísse por aí caminhando. As pegadas carimbadas no chão seriam análogas às linhas de corrente. Em algumas regiões do escoamento, as linhas são retilíneas, apresentando uma propriedade curiosa: a pressão medida na direção perpendicular (ou seja, a 90°) não varia.

Sei que o que disse carece de algum tcharans e parece até mesmo um conhecimento inútil, contudo dá para tirar uma aplicação bem bacana, que é justamente o tubo de Pitot. Viu como ciência básica também é importante?

Mas, voltando às vacas magras, imagine um simples tubo ou duto por onde o ar (fluido) está se movendo. Se fizermos um buraquinho (meu professor da faculdade teria horror ao me ver falando em buraco, ele prefere o termo furo) perpendicular à sua parede, conseguimos medir a pressão estática do ar. Você pode pensar nela como sendo a pressão associada ao peso do fluido em uma superfície. Vai ficar mais fácil de visualizar olhando a sopa de letrinhas abaixo, que é a equação de Bernoulli e um esquema do tubo de Pitot (Figura 3).

P – pressão em um ponto qualquer
ϱ – massa específica do fluido
v – velocidade da fluido ao longo do tubo
g – aceleração da gravidade
z – altura em relação a um referencial

Com o tubo, portanto, ficamos conhecendo os valores da pressão estática (Pe) e da pressão de estagnação (Pt), que ocorre quando a velocidade do fluido se anula, sem a influência do atrito. Fazendo malabarismos com Bernoulli (como desprezar a altura, já que ela é insignificante nesta análise) e em cada lado reescrevendo a equação com a pressão conhecida, temos o seguinte:

É por conta da relação acima que o computador de bordo consegue saber a velocidade do escoamento e, consequentemente, a velocidade da aeronave. E também é por isso que quando ele apresenta problemas o negócio começa a complicar. Pois pilotar uma aeronave não é como dirigir um automóvel, com direito a semáforo, placas de sinalização e estradas. A gente não sente o atrito do pneu com o asfalto tampouco o ventinho nos cabelos para ter uma noção da velocidade. Claro que existe uma certa redundância de instrumentos e reitero, as fatalidades ocorrem sempre devido a uma soma de incidentes… Mas verdade seja dita: quando sou eu sentadinha na poltrona, minha torcida é para que o bichinho não entupa.

 

Referências:

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pitot_tube_wings.jpg

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3042090/mod_resource/content/2/Prof.%20Marcos%20Tadeu%20-%20aulas%203%20e%204.pdf

https://www.alfaconnection.pro.br/fisica/liquidos/teoremas-basicos-da-hidrodinamica/conceitos-basicos-na-hidrodinamica/

https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Diagrama_do_Tubo_de_Pitot.PNG

FOX, PRITCHARDMCDONALD, Introdução à mecânica dos fluidos.

Bibliografia: FOX, ROBERT W, PRITCHARD, PHILIP JMCDONALD, ALAN T. Introdução à mecânica dos fluidos. 8. ed. [s.l.]: Grupo Gen – LTC, 2014.