Quando se estuda oceanografia existem algumas características da água que você tem que desvendar. É interessante saber temperatura, salinidade, oxigênio dissolvido, pH, quantidade de matéria orgânica… Todos estes dados são importantes para se descrever os oceanos e entender seus processos. Entender os processos serve para prever esses processos no futuro. Então é importante coletar a água sem alterar esta água.

Mas como coletar água no fundo? Afinal, os Oceanos possuem uma profundidade de cerca de 4km em média. Como seria possível coletar uma amostra de água a 1000m de profundidade? Ou até mais perto, a 50m de profundidade?

Em 1872 foi feita a expedição Challenger, visionada por William Benjamin Carpenter e supervisionada por Sir Charles Wyville Thomson da Universidade de Edimburgo, que percorreu 127 500 km ao redor do globo no decorrer de 4 anos, catalogando mais de 4700 espécies desconhecidas. A expedição foi a primeira de seu tipo e possuía laboratórios com equipamentos de análise super avançados para a época.

Esta expedição foi a fundação da oceanografia como ciência, pois as amostragens de profundidade do oceano, temperatura, formas de vida e tipo de solo foram estudadas por vários anos conseguintes, sendo a primeira que investigou processos físicos, químicos, geológicos e biológicos do mar, mapeando o comportamento da água em diferentes profundidades e analisando o que esses comportamentos significavam para a ciência e a humanidade.

Mas peraí! Eu não respondi à pergunta! Será que basta prender uma garrafa numa corda com um peso na ponta e isso coleta a água? 

 

Então essa é a opção 1: Jogar a garrafa no mar e pegar a água!

Isso serve, e é usado até hoje, para coletar água da superfície. Mas não adianta para amostras mais de fundo.

No fundo você tem que considerar a pressão da água ao redor da garrafa.

 

Opção 2: E se jogasse uma garrafa fechada e um mergulhador abrisse ela lá embaixo?

Foi uma pergunta feita por uma amiga minha. Isso não funciona por uma série de motivos. O pobre mergulhador pode acabar alterando a água e às vezes você precisa coletar água muito mais fundo do que um mergulhador conseguiria nadar.

 

Opção 3: E se jogasse uma garrafa fechada e um SUBMARINO abrisse ela lá embaixo?

No século XIX não tinha uma tecnologia de submarino que conseguisse fazer isso e as tecnologias de escafandro eram muito complicadas e difíceis.

Além disso, se a garrafa está cheia de ar, esse ar vai comprimir com a pressão da água e amassar a garrafa toda. Quando você destampar a garrafa, a água do mar não vai entrar na garrafa.

Ou a garrafa é tão rígida que ela quebra. Ou a garrafa nem quebra, mas o ar da superfície escapa quando você a abre – poluindo a amostra de água que você quer coletar. Afinal, você quer ver os gases dissolvidos na água e outras propriedades que são afetadas por ar.

 

Opção 4: E se descer uma garrafa rígida já aberta?

E como que a água de superfície sairia de dentro da garrafa para entrar a água da profundidade que você quer, sem poluir a água que você quer? Essa opção também não funciona. 

 

Opção 5: Não sei. E se fosse um tubo?

Assim que funciona! Um cilindro com duas tampas que vedam bem. Você prende a garrafa aberta no cabo com um gatilho que solta as tampas, que são conectadas por um elástico interno à garrafa, e que aprisiona a água dentro do cilindro. Na profundidade que você quiser. Basta olhar quantos metros de cabo afundaram no mar e você tem a água  de 50, 100, 200 ou 1000 metros de profundidade!

É assim, com a garrafa de Niskin, que coletamos água até hoje. 

Porém, vários passos foram dados até chegarmos na garrafa de Niskin moderna. Afinal, hoje podemos prender várias garrafas numa estrutura redonda — rosette — , colocar um CTD (sonda com medidores de conductivity, temperature and depth — condutividade, temperatura e profundidade) descer milhares de metros num cabo de aço, e puxar, fechando as garrafas no caminho de volta ao acionar um botão no computador do navio.

Antigamente, você tinha que prender uma garrafa a cada tantos metros de cabo (à escolha do pesquisador) colocando um peso a cada garrafa, para que fechando uma, o peso seguisse para bater na trava do gatilho da próxima e assim por diante.

E, enquanto você podia analisar várias características da água a partir da amostra, você tinha termômetros de mercúrio para medir a temperatura do lado de fora da garrafa. Mas como garantir que você estava medindo a temperatura na profundidade certa? Termômetros sensíveis perderiam a medida de temperatura de determinada profundidade só no ato de arrastar ele para fora da água.

Então, algum cientista genial de antigamente (no caso Negretti e Zambra logo após o Challenger em 1874) pensou que daria para medir a temperatura do fundo do mar e trazer essa medida para a superfície. E pensou numa solução para o mercúrio não sofrer com a pressão da água e também pensou no caso do termômetro levar muito tempo para subir de volta à superfície.

Esses caras criaram o Termômetro de Reversão. É um termômetro de mercúrio com uma bolsa de mercúrio extra. Só a bolsa extra sofre ação da pressão da água, e a bolsa interna responde à temperatura (o movimento molecular faz o mercúrio expandir ou contrair, por dilatação, e você coloca num tubo de vidro bem fininho — capilar —, com umas linhas e ajusta para correlacionar o escala de linhas com a temperatura!). Daí você tem um ziguezague no tubo de vidro do capilar do termômetro que, quando está virado para cima, está alterando com a temperatura e, assim que vira de ponta cabeça, o “nó” separa uma quantidade do mercúrio que fica presa no capilar, enquanto o resto fica na bolsa. Ou seja, ele trava a temperatura que estava no fundo.

Assim, a garrafa de Nansen é uma garrafa de reversão, com espaços preparados para acoplar 3 termômetros desse tipo. É prender uma garrafa com os termômetros no cabo, garantir que o peso para soltar o gatilho da garrafa abaixo não está enrolado em nenhuma coisa solta, verificar se a garrafa está aberta dos dois lados, verificar se o gatilho de reversão está pronto para receber o peso que você vai soltar direto no cabo…

Descer tudo calma e demoradamente com o guindaste do navio.

Prender manualmente o peso no cabo e soltar o peso, segurando o cabo firmemente com a mão e sentir as vibrações das garrafas virando a cada ponto de amostragem.

Puxar as garrafas de volta, verificando se os 3 termômetros de cada garrafa dão a mesma temperatura, e abrir a garrafa de coleta para encher vidrinhos menores, que podem ser etiquetados e levados para laboratório. Algumas amostras precisam de um preparo inicial, algumas não. Mas todas servirão para descrever um pontinho no oceano de dados que oceanógrafos precisam para descrever o mar.

Esse processo claramente se tornou obsoleto quando computadores começaram a ser utilizados e ficou possivel de se medir temperatura ao vivo. Mas ainda são ensinados em cursos de oceanografia pois são equipamentos que duram muito tempo e acabam sendo mais baratos para coletas de dados em ambientes mais rasos (com cerca de 30 a 50m).

 

Você teria pensado nisso tudo?

 


Descrição da imagem de capa: esq. imagem da wikipédia da garrafa de Nansen, em 3 ângulos. Ao centro um esquema de fechamento da garrafa de Niskin do Parley for Oceans e à direita uma foto de uma Rosette montada da Mônaco Explorations.