
Texto de Izabelle Viana Costa
Entre as características comuns a todo e qualquer organismo vivo está o material genético: desde a bactéria que reside no seu intestino até uma sequoia de 90 metros no centro da Califórnia, todos possuem genes. Mas como ocorre o fluxo da informação genética dentro das células?
Para responder a essa pergunta, o renomado pesquisador inglês, Francis Crick, propôs, em 1958, o que hoje conhecemos como o Dogma Central da Biologia Molecular. Para facilitar a compreensão, apresento uma analogia.
Imagine uma confeitaria movimentada no centro de São Paulo. Nela, os confeiteiros são responsáveis por preparar os mais diversos tipos de bolos. Para fazer isso, eles seguem um grande livro de receitas guardado em uma sala especial da confeitaria. O problema? O livro está escrito em alemão, idioma que os confeiteiros não compreendem.
Para resolver essa questão, foi contratado um copista-tradutor que entende tanto alemão quanto português. Sua função é copiar as receitas e traduzi-las. As versões traduzidas são então entregues aos confeiteiros, que finalmente conseguem preparar os mais variados e deliciosos bolos.
Agora, transportando essa analogia para o mundo celular: a confeitaria é uma célula, o livro de receitas é o DNA, o copista-tradutor é uma molécula chamada RNA, os confeiteiros são as organelas chamadas ribossomos, e os bolos são as proteínas. Essa comparação nos ajuda a entender o fluxo de informação genética segundo o Dogma Central da Biologia Molecular.
De forma simplificada, o DNA, que contém as instruções para a produção de proteínas (os genes), é transcrito em RNA. Esse RNA é então traduzido, resultando na produção das proteínas nos ribossomos. Nas células, as proteínas são componentes essenciais que exercem inúmeras funções, desde o suporte estrutural até o transporte de substâncias e reações químicas.
Podemos também citar que o DNA é capaz de fazer cópias de si mesmo por meio da replicação, processo fundamental para garantir que a informação genética seja preservada e passada adiante a cada nova célula formada durante a divisão celular.

Figura 1. Versão simplificada do Dogma Central da Biologia Molecular. Autoria Própria. Descrição: A imagem mostra um fluxograma com as palavras DNA → RNA → Proteínas, interligadas por setas que indicam os processos de transcrição e tradução, respectivamente. Uma seta curva voltando ao DNA representa o processo de replicação.
A analogia apresentada é uma forma mais resumida e didática de entender o fluxo da informação genética. Vale ressaltar que, por exemplo, o processo de tradução ocorre a partir de uma molécula de RNA, especificamente o RNA mensageiro (mRNA), que é então traduzido nos ribossomos e convertido em proteína com a ajuda de outro tipo de RNA, o RNA transportador (tRNA). Este último funciona como um “ajudante de cozinha” que leva os ingredientes da receita (os aminoácidos) na ordem e no momento corretos, para que cada bolo (proteína) seja produzido com precisão.
Agora que você compreendeu a analogia, vamos explorar um pouco mais o que a ciência descobriu ao longo do tempo.
Sabe-se hoje que todo esse processo é muito mais complexo e envolve diversos outros elementos. Por exemplo, foi observado que, em alguns vírus, o RNA também pode se replicar. E mais surpreendente ainda: nem sempre o fluxo de informação vai do DNA para o RNA. Em certos casos, o RNA pode ser convertido em DNA, processo chamado de transcrição reversa.
A transcrição reversa é especialmente importante em vírus como o HIV, cujo material genético é RNA, e não o DNA. Ao entrar em uma célula hospedeira, o vírus “sequestra” as ferramentas de transcrição da célula e, com a ajuda de uma enzima viral chamada transcriptase reversa, converte seu RNA em DNA. Esse DNA viral pode então ser integrado ao DNA da célula hospedeira, que passa a produzir proteínas virais, montando assim novos vírus.
Veja abaixo, então, uma versão mais atualizada do Dogma Central da Biologia Molecular:

Figura 2. Versão atualizada do Dogma Central da Biologia Molecular. Descrição: A imagem mostra um fluxograma com DNA ↔ RNA → Proteínas, indicando os processos de transcrição, tradução, replicação e transcrição reversa. Setas curvadas apontam para o DNA e RNA indicando replicação. Uma seta do RNA para o DNA indica a transcrição reversa.
Ainda há muito a descobrir sobre como ocorre o fluxo da informação genética. Quem surgiu primeiro na evolução: o DNA, o RNA ou as proteínas? Quais fatores ajudam ou atrapalham os processos de transcrição e tradução? Tantas perguntas!
Essa confeitaria celular ainda guarda muitos segredos, e a ciência está apenas começando a desvendar suas receitas.
Fonte da figura de capa: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-de-bolo-de-chocolate-2144200/
Izabelle Viana Costa
Bióloga, doutoranda em microbiologia, grande apreciadora de açaí com farinha e também de divas pop.