Vamos jogar um jogo.

Eu vou jogar dois dados — aqueles normais mesmo, numerados de 1 a 6 e completamente honestos (vou ser malandro, mas não mentiroso) — e quero apostar com você, aventureiro leitor, na soma dos números que ficam pra cima. Só pra deixar claro, a soma pode dar qualquer coisa entre 2 (se os dois dados caírem com o 1 pra cima) e 12 (se ambos marcarem 6).

(Atenção: aviso de textão! Me empolguei, mas seguinte: prometo te ensinar a fazer uma aposta que quem parece que vai perder tem mais chances de ganhar, e com isso vamos aprender um pouco sobre como o universo funciona — me parece ser um bom custo benefício, heim)

A aposta é o seguinte: Se a soma der 6, 7, 8 ou 9 eu ganho e você compartilha esse texto em alguma rede social/grupo do zapzap (e não vale google+, vamos nos respeitar). Se der qualquer outro número, você ganha e pode colocar nos comentários que eu sou um perdedor fedido. Se você não está convencido a aceitar a aposta, dá uma reparada que, poxa, só em 4 dos resultados possíveis eu ganho, mas você ganha em 7 deles – praticamente o dobro!

E então? Pronto? Podemos resolver isso ao vivo, aqui e agora: é só você abrir esse link em outra aba e clicar em “Roll dice” para jogar dois dados virtuais, e então somar eles. Pra você não achar que o site é desonesto, vamos fazer um “melhor de 5”. Jogue os dados 5 vezes e olhe pra soma deles, pra ver se deu um dos meus ou dos seus números. Quem ganhou a maioria?

Talvez eu tenha dado azar com você, mas a verdade é que com os números que eu escolhi eu tenho 56% de chance de ganhar, então estou confiante que vou sair vitorioso com mais de metade das pessoas que lerem esse texto (risada maligna). Você pode voltar lá e jogar mais alguns dados pra conferir, mas já te aviso que a soma vai dar um dos “meus números” mais vezes. Se você for uma das pessoas que perdeu, na verdade a coisa fica bem mais divertida: como é possível?

A questão é que existem 11 somas possíveis: 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, e então você pode achar que a chance de dar, sei lá, 2 ou 7 é a mesma: 1/11 — mas a verdade é que as somas NÃO SÃO igualmente prováveis (puts!). Repare, por exemplo, que só existe um jeito da soma dar 2 (se ambos os dados forem 1), mas existem vários jeitos da soma dar 7 (podemos tirar 1 e 6, 2 e 5, 3 e 4, etc). Analisando por completo, existem 36 possibilidades quando se joga os dois dados, que organizei numa tabelinha:

Destas 36 possibilidades, só uma delas dá 2 quando eu somar os valores. Ou seja, a chance dos dados somarem 2 é 1/36, o que dá uns 2.7%. Por outro lado, tem 6 maneiras de chegar em 7, então a chance de somar 7 é seis vezes maior! Ao todo, tem bem mais jeitos de chegar nos números que eu escolhi:

O mesmo acontece para mãos do pôquer: existem bem mais jeitos de fazer uma dupla do que de fazer um royal straight flush — então é muito mais provável que o seu adversário tenha uma dupla na mão. Uma coisa muito específica (preciso que as cartas sejam exatamente essas ou que os dados sejam exatamente 1 e 1) tende a ser menos provável que uma coisa genérica (quaisquer duas cartas iguais me servem). Mais interessante ainda, o mesmo acontece com, sei lá, as moléculas que formam o ar: elas estão constantemente se batendo de um lado pro outro e se empurrando, então a cada instante elas estão organizadas na sua sala de um jeito completamente novo e aleatório. Poderia acontecer que nesse empurra empurra todas as moléculas se joguem em uma fila indiana contra a parede e você fique com metade da sua sala sem ar — mas vamos concordar que existem muitas maneiras das moléculas se espalharem pela sala, enquanto uma fila indiana de moléculas seria algo muito específico e pouco provável. Isso significa que é muito mais provável que as moléculas que formam o ar da sua sala estejam espalhadas pela sala do que amontoadas em um canto, e é isso que você vai ver no dia-a-dia. Inclusive, é tão mais provável que o ar esteja espalhado que você pode esperar a idade do universo sentado na sua sala e ainda assim haveria apenas uma chance muito pequena de em algum momento o ar se amontoar sozinho.

O que acontece é que, no exemplo com dois dados, alguns números eram só um pouco mais prováveis do que outros. Mas quando colocamos um número inimaginável de dados ou moléculas (o número de moléculas zanzando pelo ar na sua sala é mais ou menos o mesmo que o número de grãos de areia em todo o planeta Terra — inclusive isso é uma boa informação pra impressionar os amigos na mesa de um bar) a chance de uma determinada coisa acontecer é inimaginavelmente maior do que a chance de acontecer algo radicalmente diferente (tipo a chance do ar estar espalhado ser muito maior do que a chance dele se amontoar sozinho) — então essa situação mais provável é o que iremos ver acontecer no dia-a-dia. O que eu quero dizer, resumindo, é que lidando com um número grande de coisas saber a situação mais provável é praticamente saber o que iremos ver ao fazer o teste.

Agora, pense comigo, que bacana seria se eu tivesse um número que me dissesse justamente isso: de quantas maneiras eu consigo chegar em uma determinada situação. Isso é justamente o que chamamos em física de entropia. A entropia nada mais é do que uma medida do número de arranjos que levam a um determinado resultado. Apesar de ser um termo muito usado em física, é um conceito muito mais geral do que isso: tem a ver com informação. Eu posso pegar esse numerozinho, entropia, e atribuir ele a cada mão do pôquer por exemplo. Uma mão de grande entropia seriam todas as cartas aleatórias sem formar jogo nenhum — tem vários jeitos disso acontecer, e é algo bem provável de acontecer. Agora, uma sequência de todas as cartas do mesmo naipe já é algo mais específico e difícil de acontecer, seria uma situação de baixa entropia. É por isso que às vezes você lê por aí que entropia está relacionada com a desordem, a mão “mais bagunçada” tem mais entropia — mas no fundo o que interessa é de quantas maneiras eu consigo ter aquele resultado.

No meu exemplo dos dados, a soma dar sete é uma situação de alta entropia — muito provável. Soma 2 é baixa entropia, menos provável. Lembre-se que se eu deixar umas moléculas soltas por aí, existem algumas maneiras delas se espalharem que são tão mais prováveis do que outras que é isso que eu vou ver — as moléculas tendem naturalmente a ir para um estado de maior entropia. Generalizando, dizemos que a entropia do universo tende a aumentar, a chamada segunda lei da termodinâmica, mas isso no fundo é só estatística.

No meu primeiro texto sobre o tema, que você pode ler AQUI (mas depois desse acabar, por favor), eu tentei apresentar uma visão um pouco mais qualitativa da coisa, mas acho que é interessante ver que a maquininha por trás da bacia de entropia do universo enchendo mais e mais tem a ver com algo extremamente “palpável”: contar arranjos, permutações e combinações e ver o que é mais ou menos provável. Quem deu o primeiro passo na direção dessa interpretação estatística de entropia foi um grande cientista chamado Boltzmann, que inclusive gostou tanto dela que pediu que essa fórmula de entropia fosse inscrita na sua lápide (não é bonitinho?).

Acho que se eu pudesse terminar com uma mensagem que resume tudo, entropia é no fundo uma medida da nossa ignorância. Se eu te disser que a soma dos dados deu 2, você sabe exatamente o que cada dado marcou: 1 e 1. Agora se eu te disser só que a soma dos dados deu 7, você não sabe dizer se os dados foram 1 e 6, ou 2 e 5, etc. Como uma situação de maior entropia tem vários jeitos de acontecer, se eu só te disser qual é a situação você não sabe exatamente o que está acontecendo (afinal, tem várias opções…). Quando as moléculas se espalham e a entropia do universo aumenta, minha ignorância a respeito de onde cada molécula está aumentou — elas estão espalhadas, sei lá eu onde está cada uma. Talvez, por exemplo, você sinta que aprendeu alguma coisa com essa série de textos (e espero que sim!), mas apesar disso fique atento, querido leitor: nossa ignorância está sempre aumentando.