Resolvi fazer a resenha deste livro por dois motivos: foi o melhor livro que li em 2017 e porque ninguém ainda havia feito isso aqui no Deviante. Sobre a segunda parte das minhas motivações, eu não tenho nada para dizer, é apenas um fato constatado. É em relação à primeira parte que discorrerei breves linhas justificando por que achei o livro tão bom e incentivando a quem não leu que o faça. Não raro a obra está em promoção em lojas virtuais por aí (e mesmo que não esteja, vale muito o dinheiro gasto ou, no caso, investido).

Sobre o que o livro trata: justamente, sobre a história de humanidade, desde o surgimento do Homo sapiens como espécie, sua consolidação como única espécie de Hominídeo a ocupar o planeta (tanto exterminando quanto miscigenando com outras espécies), a ascensão da escrita, etc.

A estrutura do livro divide o assunto em três partes, que o autor, Yuval Noah Harari, batiza de Revoluções: A Revolução Cognitiva, a Revolução Agrícola e a Revolução Científica.

A Revolução Cognitiva, em resumo, explica como a capacidade de abstração e memória que somente o nosso cérebro possui dentre todos os animais permitiu que pudéssemos nos agregar em conjuntos humanos de tamanhos sem precedentes e, assim, criar coisas inimagináveis até então. A Revolução Cognitiva, escreve Harari, foi o ponto de virada no qual o ser humano tornou-se independente de suas limitações biológicas.

Por quê? Porque só os humanos se juntam e cooperam baseados em uma ideia, em uma ficção. Ele ilustra o caso da Peugeot (sim, a montadora de automóveis). A marca registrada cujo símbolo é um leão não existe na natureza fora de uma abstração criada por H. sapiens. E, no entanto, para nós, hoje, é uma coisa totalmente sólida e concreta. Milhares de humanos cooperam para montar seus carros, revendê-los em concessionárias, abastecer seus motores, etc. Mesmo que o fundador da marca já tenha morrido, a ideia permanece, porque se espalhou no imaginário de cada um.

Outro exemplo é um estádio de futebol lotado, no qual as torcidas agem coordenadamente, compartilham da mesma emoção e, muitas vezes, agem como animais enfurecidos contra outros seres humanos simplesmente por usarem uma camiseta com outras cores. O que é a paixão pelo futebol, até mesmo o próprio futebol, além de uma ideia gasosa que é passada de boca em boca através de gerações?

Segundo Harari, foi esta capacidade de convergência de humanos desconhecidos em torno de ideias em comum que possibilitou que nos libertássemos da número de Dunbar, que diz que só é possível estabelecer laços sólidos baseados em confiança mútua com até 150 pessoas. Mais do que isso, extrapola nossa capacidade cognitiva. Todavia, estabelecemos laços com seres humanos fora de nossas relações de confiança todos os dias devido a partilharmos ideais em comum, sejam político partidários, esportivos, amorosos, religiosos, etc., etc. et al.

A partir daí, teoricamente, poderíamos ter tribos cada vez maiores, formando até verdadeiras cidades, como temos hoje. Todavia, por muitos milhares de anos, continuamos organizados em pequenas comunidades devido à escassez de alimentos típicas de sociedades caçadoras-coletoras, uma vez que nem sempre os animais se deixavam caçar e as plantas estavam disponíveis. Isso acabou com a segunda revolução, a chamada Revolução Agrícola.

Essa eu não perderei muito tempo, porque é óbvia. Agricultura e pecuária até hoje são nossas garantias de que, ao abrirmos a geladeira, tenhamos alguma coisa para comer e não isso aqui. Nesta parte do livro, uma das características de Harari como autor que mais me apaixonou e me fisgou de vez como leitor começou a aparecer com mais força: ele não passa pano para nada, dá o tapa na cara que precisa ser dado, mas não puxa a brasa para nenhuma sardinha ideológica, embora ele claramente possua as suas.

Yuval Harari: este é o cara! (fonte)

Difícil fazer isso? Muito, todavia, não impossível, já que o Yuvão da Massa o faz com maestria. O que eu quero dizer com dá o tapa que precisa sem fazer proselitismo de alguma ideia em específico como contraponto? Eu quero dizer que ele sempre mostra os pontos altos e baixos de cada coisa que acontece! Por exemplo, apesar de ele ser vegano, ele não usa o livro para fazer discurso sobre como os animais de fazenda são tratados. Ele fala que graças à domesticação, criação intensiva, seleção artificial, etc., hoje a proteína de origem animal está barata como nunca esteve na história humana, já que não estamos mais sujeitos ao acaso para sermos providos com caça abundante. E aí, no parágrafo seguinte, ele descreve todas as consequências de criarmos animais nesta escala, o tratamento não adequado que alguns animais sofrem em várias circunstâncias, as doenças causadas pelo convívio intensivo e próximo destes bichos com seres humanos e por aí vai.

Ou seja, ele tem o lado dele. Todavia, ele sabe que tudo tem seus ônus e bônus, tudo que existe hoje foi causado por uma revolução que quebrou algum paradigma natural impossível de ser transposto por outra espécie. Jogar fora este legado porque as consequências são ruins pensando com nossa mentalidade atual é despejar a água do banho com o bebê dentro.

Desta forma, o livro se presta a várias leituras diferentes. E testará o quanto você é mente aberta ou fechada, o quanto você está disposto a dialogar, ouvir o outro lado, tentar entender porquê certas coisas são como são, sem pensar sempre que existem mocinhos e bandidos, que o meu lado é bom e perfeito porque, afinal, sou uma pessoa boa e perfeita, logo só posso estar certo. Confesso que passei muita raiva lendo certos parágrafos e tive vontade de largar o livro e sair xingando muito no Twitter.

Só não o fiz porque, em primeiro lugar, não tenho Twitter, e em segundo lugar, fazia tempo que eu não lia um livro de não-ficção que me causasse tantas emoções. Literatura não-ficcional, pela própria definição, é aquele tipo de escrita que narra fatos, da maneira que foram e aconteceram. A emoção vai ser direcionada conforme o impacto dos fatos.

Todos sabem que um livro sobre Hachiko é feito para fazer chorar em posição fetal e pedir um abraço da mãe (pelo menos para aqueles seres humanos com um coração glabro) e um livro sobre Análise Tributária, não (ou sim, depende). Por este raciocínio, seria de se esperar que um livro sobre a história da humanidade fosse neutro, narrasse os fatos sobre como o ser humano surgiu e dominou o mundo, como tantos já fizeram antes.

Contudo, não é o que acontece. Você claramente escolhe um lado, porque Yuvão pondera estes lados. Cada capítulo está sujeito a fazer você mudar seu posicionamento, porque isso irá depender das suas idiossincrasias prévias. Então, você passa da raiva à alegria, da tristeza ao sorriso conforme vai virando as páginas. Se eu fosse arriscar um palpite, diria que justamente esta narrativa particular de Harari o fez tornar-se o Best Seller que é. Ele tem um talento incomum para um escritor e merece todos os louros deste sucesso.

Para finalizar, tem a terceira parte que eu ainda não comentei: a Revolução Científica. Esta ainda está em curso, vemo-la todo dia em praticamente tudo o que fazemos, ainda que algumas pessoas se neguem a acreditar e fiquem inventando histórias absurdas sobre as mais variadas coisas. A Revolução Científica só foi possível porque acumulamos excedentes suficientes para nos libertarmos de ter que ocupar todo nosso tempo procurando alimentos.

Antes do século XX, a ciência era um hobby aristocrático, mas atualmente, virou uma profissão passível de ser atingida por virtualmente qualquer classe social. Isso se deve a retro-alimentação positiva que a ciência causa, aumentando os excedentes e liberando cada vez mais tempo livre para que os seres humanos façam o que mais amam fazer: usar a imaginação, brincar e inventar histórias.

Mantendo a sua coerência, Harari igualmente dá umas bofetadas na ciência. Ele discute em seus capítulos finais as consequências futuras de certos avanços científicos, como a busca pela imortalidade, o avanço das inteligências artificiais, nossa vida cada vez mais dominada por algoritmos. Mas, como todo Best Seller que se preze, ele deixou a elaboração aprofundada das consequências do avanço científico para outro livro, chamado Homo Deus. Este eu ainda não li, mas já está na fila e assim que conseguir digeri-lo, farei aqui minha resenha.

Saudações cordiais e até breve!