Você se considera uma pessoa rica? Ou, mudando a pergunta, você acha que o seu salário te faz uma pessoa rica no Brasil? Eu poderia ser ainda mais específico e perguntar se, na sua opinião, seu salário te faz uma pessoa rica no seu estado, cidade, etc. Embora questões de definição de pobreza, não-pobreza e afins sejam, até certo ponto, subjetivas, podemos fazer uma contextualizaçãozinha e mostrar como o seu salário está colocado entre os salários médios do país.

Vamos para a tabela do Brasil:

Renda média por décimos da população
Décimos da população Renda média
1 139
2 302
3 426
4 559
5 727
6 821
7 1023
8 1339
9 1918
10 5248

Nessa tabela separamos a amostra da população em 10 grupos de mesmo tamanho, de modo que esses grupos foram ordenados de forma crescente em relação a renda. Na sequência tomamos a renda média referente a cada um desses estratos (na verdade a renda domiciliar per capita mensal média¹). Então podemos ver que, em média, os 10% mais pobres do país recebem por mês cerca de R$139,00, e os 10% seguintes recebem cerca de R$302,00 mensais, e assim por diante, até o décimo grupo que representa os 10% mais ricos da população, com renda per capita média de R$5.248,28.

De cara vemos uma coisa: em média o brasileiro ganha pouco. Aqui, como utilizamos a renda do domicílio para fazer suas comparações, você precisará somar toda a renda de sua casa e dividi-la pelo seu número de moradores, assim, se você ganha R$1.500,00 por mês e tem de sustentar mais uma pessoa com essa grana (ou seja, com uma renda per capita de R$750,00), você já teria um salário que ultrapassa a média dos primeiros cinco décimos da população, ou seja, em média, sua renda seria maior do que, ao menos, metade da população brasileira!

Se não se assustou com esse número vamos pra próxima situação. Seja você agora uma pessoa solteira que vive sozinha e recebe um salário de R$2.000,00. Você ganharia mais do que a média dos 90% mais ricos do Brasil! É fácil ver que não precisamos ganhar muito para que os nossos salários sejam relativamente altos e essa situação pode ser ainda mais dramática, quando refazemos a análise separando as cinco regiões do país.

Renda média por décimos da população
Décimos da população Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste
1 139 118 89 202 248 210
2 302 237 207 399 477 407
3 426 322 294 545 660 555
4 559 410 390 710 790 725
5 727 515 488 811 928 821
6 821 660 618 978 1123 999
7 1023 793 774 1212 1383 1247
8 1339 981 877 1556 1719 1624
9 1918 1396 1263 2270 2420 2447
10 5248 3592 3509 6170 6021 6776

Enquanto as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm quadros similares, o Norte e Nordeste do país vão na contramão, com rendas médias bem menores, ao ponto de o primeiro grupo da região Nordeste ter renda média de R$89,00 mensais, 25% a menos do que o mesmo grupo na região Norte, e menos do que a metade do que é recebido nos centros do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Lembrando do nosso primeiro exemplo, em que R$750,00 te deixariam acima da renda média do quinto décimo para o quadro nacional, observando as regiões Norte e Nordeste, esta renda já te deixaria próximo da média do sétimo décimo da população. Por outro lado, se você se enquadra no segundo caso, de uma pessoa que vive sozinha e recebe R$2.000,00 mensais, sua situação deve ser relativamente pior para o Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Outro ponto muito interessante de ser notado é o efeito Brasília; por concentrar uma grande massa de salários altíssimos, o Distrito Federal aumenta consideravelmente os índices do Centro-Oeste, mas note no quadro abaixo que a distorção só se destaca para as faixas de renda mais altas!

Centro-Oeste
Décimos da população Com Distrito Federal Sem Distrito Federal
1 210 202
2 407 392
3 555 527
4 725 682
5 821 792
6 999 920
7 1247 1117
8 1624 1405
9 2447 1907
10 6776 4543

Aqui vale comentar que, mesmo que um grupo tenha renda relativamente alta, as pessoas que o compõem podem manter-se insatisfeitas com suas posições. Há trabalhos muito interessantes na área da pobreza subjetiva mostrando que a renda pode representar um papel muito menor do que se espera na percepção da própria pobreza², enquanto outros fatores, como a renda de pessoas próximas, ou a renda que sonhávamos ter alcançado podem ser relevantes nisso.

Ok, mas pode ser que você não seja tão rico assim. O valor do nosso salário pode mudar muito em função do ambiente no qual vivemos e dos produtos e serviços aos quais temos acesso, sendo assim, vamos tentar estreitar a análise para os leitores do Portal Deviante. Segundo o último censo Scicast, (e assumindo que você, leitor, seja também ouvinte do podcast e possa ser representado por essa pesquisa), as pessoas que responderam ao questionário são majoritariamente homens, com idade variando entre 20 e 40 anos, com graduação ou mestrado e em grande parte moradores do estado de São Paulo (cerca de 1/3), mas com forte presença também dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Décimos da população Brasil MG RJ SP RS SC
1 139 182 228 223 239 323
2 302 364 404 450 473 573
3 426 498 544 617 664 752
4 559 642 705 771 795 849
5 727 781 804 912 945 1036
6 821 875 963 1107 1138 1244
7 1023 1079 1194 1363 1406 1490
8 1339 1392 1561 1717 1762 1801
9 1918 1980 2378 2486 2520 2463
10 5248 5483 7023 6373 6516 5201

Então as rendas médias dos estados nos quais o programa tem mais ouvintes são todas maiores que as respectivas médias do país. Isso já podia ser esperado, já que também sabemos pelo senso que 2/3 dos ouvintes têm nível superior e a literatura mostra correlação entre renda e anos de estudo. Assim, se por um lado vemos que aqueles R$750,00 per capita de antes podem não nos fazer mais tão ricos nesse novo cenário, por outro lado, o caso da renda per capita de R$2.000,00, seguiria fazendo de nós pessoas mais ricas do que a maior parte da população.

Retomando a nossa primeira pergunta, você se considera uma pessoa rica?

 

Todas as tabelas foram elaboradas pelo autor

[1]: Pra quem ficou na dúvida, os valores que usamos aqui vêm da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), do ano de 2015, e escolhemos estudar a renda per capita dos domicílios brasileiros, ou seja tomamos a renda total de cada domicílio (tirando renda de pensionistas, empregadas domésticas que estivessem morando com a família e pessoas com menos de 10 anos), e a dividimos pelo número de moradores de cada domicílio.

[2]: Carolina Castilla faz um trabalho sobre a pobreza subjetiva e como a renda é percebida pela população aplicando ao caso mexicano. O trabalho mostra como o tema se desenvolve para diferentes grupos sociais e vale à pena dar uma olhada.

Um link curioso é a calculadora da desigualdade desenvolvida pela Oxfram em parceria com o Ojo Público; a metodologia está disponível aqui.

 

Se você quer ver um cenário mais recente, temos uma matéria de 2017 do G1 fazendo a apresentação dos dados pra 2017

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Guilherme Lopes é vale paraibano de nascença, economista de formação e caipira de coração. Curioso sempre que possível.