Gostaria de aproveitar o lindo movimento em prol da prevenção do câncer de mama que se fez no mês de outubro, e o que estamos vendo também agora em novembro com o intuito de conscientizar os homens para a realização dos exames para diagnóstico do câncer de próstata, para falar um pouco sobre a nutrição por trás de tudo isso.

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.

Aproveito esse pensamento de Shakespeare para dizer a vocês que não há mais espaço para aquela velha mania de colocar problemas de saúde na conta da herança genética.

Com o conhecimento do nosso mapa genético, já se faz possível reconhecer polimorfismos que mostram nossa pré-disposição a ter ou não certas doenças. Como é o caso do polimorfismo do gene VDR (receptor de vitamina D), que está relacionado com a maior propensão de o indivíduo desenvolver o câncer de próstata.

Usando esse exemplo, podemos entender o sentido da frase de Shakespeare nesse contexto. Uma pessoa que apresente esse gene VDR é alguém com maiores chances de desenvolver a doença, isso é um fato. Porém, se essa pessoa possui um estilo de vida saudável e, nesse caso em especial, se ela mantém os seus níveis de vitamina D suficientes e/ou acima da média, é bem provável que isso gere o silenciamento desse gene, impedindo a manifestação do câncer (mesmo que o indivíduo possua a pré-disposição, entendem?).

Estudos, como as meta-análises avaliadas em 2009 pelo International Journal of Clinical and Experimental Medicine, sugeriram que baixos níveis séricos de vitamina D podem ser um fator de risco para câncer de próstata, assim como a forma ativa desse nutriente poderia inibir a proliferação de células epiteliais de próstata normais e malignas in vitro. Portanto, um nível adequado de vitamina D sérica pode proteger contra o câncer de próstata em humanos.

Fatores relacionados ao estilo de vida, em especial à dieta e a sua relação com o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, vêm sendo estudados cada vez mais nas últimas décadas. As modificações do risco por fatores dietéticos podem ocorrer em diferentes estágios da neoplasia, reduzindo o efeito de carcinógenos ambientais, protegendo contra danos no DNA e promovendo ou inibindo a progressão da doença.

Escolhi alguns fatores para discutirmos aqui hoje.

Churrasco

Quem aí já ouviu dizer que carne queimada, ou de churrasco é cancerígena?

Infelizmente (porque eu adoro um queimadinho) isso é verdade. Vários estudos já mostraram que carnes preparadas a temperaturas elevadas contêm aminas heterocíclicas, que possuem efeito mutagênico e carcinogênico. E no caso das carnes grelhadas ou de churrasco, esse risco pode aumentar, pois há também a exposição aos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, outros agentes carcinógenos potentes.

Estudos conduzidos por Steck et al. (2007) encontraram risco aumentado de câncer de mama entre mulheres na pós-menopausa que consumiam, ao longo da vida, carnes grelhadas, de churrasco e defumadas.

Agora vamos falar da parte mais incrível da nutrição? Vamos falar da prevenção de doenças!

Alguns compostos em especial, denominados agentes quimiopreventivos, exercem uma ação protetora específica contra o desenvolvimento do câncer. Muitos desses compostos químicos podem ser sintetizados em laboratórios, mas a maioria encontra-se prontamente disponível nos alimentos.

Sabe quando em todos os lugares os nutricionistas falam de maneira incansável: “comam frutas e verduras”? Não é papo furado. Além dos inúmeros outros benefícios, eles possuem em sua composição substâncias anticarcinogênicas, como fitoesteróis, vitaminas C e E, betacaroteno, e etc, que podem atuar como protetoras contra o câncer na redução da proliferação celular (no caso, evitando a proliferação das células cancerígenas), entre outros mecanismos.

Licopeno

Um estudo realizado no Brasil (DI PIETRO et al., 2007) demonstrou que o consumo de tomate atuou como fator de proteção contra o câncer, comparando-se as categorias de consumo “semanalmente” com “nunca/raramente”. Isso porque o tomate é rico em uma substância chamada “licopeno”.

Maiores concentrações de licopeno são encontradas em extratos de tomate, quando o tomate cru sofre ação do calor e é adicionado de algum tipo gordura. Isso aumenta a absorção do licopeno pelo organismo, após  sua  ingestão (então peguem essa dica, ok?).

Estudos citados por CARVALHO et al. na Revista Terra & Cultura: Cadernos de Ensino e Pesquisa mostraram que o licopeno apresenta grande ação antioxidante, que traz benefícios, diminuindo ou inibindo os danos causados pelo excesso de radicais livres, prevenindo assim danos ao DNA, além de possuírem uma ação quimioprotetora em especial nos cânceres de próstata.

Dieta Cetogênica

A dieta cetogênica já é utilizada há muitos anos no tratamento de algumas doenças, como a epilepsia. Ela também vem sendo estudada no tratamento de alguns cânceres, baseado, em especial, no fato de ser uma dieta baixa em carboidratos. E com isso, consequentemente o corpo receberá menos glicose. Como as células cancerígenas usam glicose como combustível para sua multiplicação, na teoria essa dieta poderia funcionar. Porém, apesar da ingestão de glicose estar reduzida, o corpo ainda produz glicose através da gliconeogênese. Então, não é tão simples assim. Mas estudos já vêm mostrando que esse déficit pode ser vantajoso no controle carcinogênico, apesar de ainda serem pouco conclusivos devido ao fato de existirem poucos ensaios clínicos realizados em humanos.

Cúrcuma

A curcumina, um composto ativo extraído da planta Cúrcuma longa, é usada há séculos na culinária indiana e na medicina chinesa para o tratamento de várias doenças, como diabetes, doenças hepáticas, infecções e alguns tipos de cânceres, como o de cólon e de próstata. Sua atividade biológica também está relacionada às propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antitumorais devido a sua capacidade de suprimir a iniciação de tumor e a formação de metástases.

Estudos recentes com humanos revelaram que, ao receber doses diárias de curcumina (1000 ou 1890 mg/dia em doses fracionadas), os pacientes tiveram redução nos níveis de colesterol total, colesterol LDL, triglicerídeos e ácido úrico. Além de suprimir vias de sinalização celular que estimulam a proliferação celular e inibem respostas inflamatórias.

Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer) a má alimentação é responsável por 20% dos casos de câncer e por aproximadamente 35% das mortes no Brasil. De acordo com ele, 1 a cada 5 casos de pessoas com a doença seriam evitados caso elas adotassem um estilo de vida saudável, se alimentando adequadamente e praticando atividades físicas.

Não sou eu quem estou dizendo (mas poderia ser), é uma gama muito vasta da literatura científica e órgãos sérios de saúde que estão levantando assiduamente a bandeira de uma vida mais saudável, menos composta por industrializados, e mais rica nas lindas cores de um prato diversificado em vegetais, proteínas, gorduras e carboidratos do bem.

Referências:

Yin, Ming et al. “Vitamin D Receptor Genetic Polymorphisms and Prostate Cancer Risk: A Meta-analysis of 36 Published Studies” International journal of clinical and experimental medicine vol. 2,2 159-75. 15 Jun. 2009/

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1528-1167.2008.01853.x

NOORAFSHAN, A.; ASHKANI-ESFAHANI, S. A Review of Therapeutic Effects of Curcumin. Current Pharmaceutical Design. v.19, p. 2032-2046, 2013.