A ciência é construída com um bloquinho de cada vez, com um pequeno conhecimento, de uma, aparentemente, irrelevante pesquisa científica em um humilde laboratório. Porém, é dessa forma que o conhecimento científico evoluiu ao longo dos anos. Por isso, a pesquisa básica é tão fundamental quanto a pesquisa aplicada. Desse modo, gostaria de ilustrar como um conjunto de conhecimento, de pequenos trabalhos podem chegar longe, até a uma cura – potencial – do câncer. Uma forma de ilustrar a produção de conhecimento pode ser resumida na imagem abaixo.

De fato, qualquer construção tem necessidade de uma base forte, capaz de sustentar toda a estrutura que irá ser erguida.

Uma das áreas que acho mais promissoras para o tratamento de câncer é a imunologia. Esta é uma área relativamente nova – mas com muito potencial – que agora está sendo estudada de forma mais aprofundada.

Seus estudos primordiais foram através do médico britânico Edward Jenner, que ficou conhecido pela invenção da vacina para tratar da varíola, no século XVIII.

Contudo, gostaria de avançar alguns séculos, para sincronizar o meu amor pela imunologia com seu uso para o tratamento de câncer.

Meu pai, em 2002, com apenas 41 anos (se não me engano) – eu com 9 anos à época -, foi diagnosticado com um tumor cerebral, conhecido como Glioblastoma Multiforme (GBM). É o tumor no sistema nervoso central mais comum em adultos. Além disso, o caso dele é conhecido como Glioblastoma Multiforme Grau IV. Normalmente, quem apresenta esse tumor sobrevive menos de 2 anos e, para meu pai, não foi diferente.

No entanto, eu só fui descobrir e procurar algo sobre isso muitos anos depois. Infelizmente, este fato ocorreu no início do milênio, e muita pesquisa foi feita de lá pra cá, principalmente no campo das imunoterapias.

Um dos grandes problemas de combater esse tipo de tumor é a localização dele, principalmente pela barreira hematoencefálica, que apresenta uma alta seletividade do que pode ou não atravessar.

Mas, como falei anteriormente, a ciência deve ser construída através de muitas pequenas pesquisas, para que ocorra o desenvolvimento de uma grande, até que, de fato, algo seja feito com esse conhecimento.

No ano de 2015, foi publicado um artigo (que para mim é uma ilustração de como se deve ter, na ciência, uma boa base de sustentação) pela revista Nature. Este artigo mostrava sobre o descobrimento de vasos linfáticos que conseguiam se comunicar com o sistema nervoso central, que era desconhecido, até então. Ou seja, uma pequena descoberta, e com muitos fins práticos. Claro que, para chegar nesse conhecimento, muitos outros trabalhos foram publicados. Essa pequena descoberta pode significar que imunoterapias podem chegar até o sistema nervoso central de forma mais facilitada.

Contudo, há ainda muito o que se pesquisar. Outra peça (paper) demonstra que um adenovírus chamado de DNX-2401 é capaz de destruir células tumorais. Inclusive, 20% dos pacientes com o GBM conseguiram sobreviver mais que 3 anos com este tratamento.

Além disso, outro exemplo sobre a eficácia com a imunoterapia que gostaria de citar é em relação ao câncer de mama. No inicio deste ano, um estudo com uma mulher de 49 anos, demonstrou uma regressão de um câncer de mama metastático. Nesse caso, o processo foi através de células chamadas de “tumor-infiltrating lymphocytes”(TIL) da própria paciente. Foram, principalmente, células chamadas de linfócitos T helper (CD4+).

Essas células em questão, sofreram um processo de “treinamento” para atacar exatamente antígenos próprios do tumor da paciente. Isso nos leva a outro ponto, um lado negativo do tratamento através da imunoterapia é que, nesses casos, a terapia deve ser personalizada. Ou seja, um tratamento com aquelas células ou anticorpos específicos não servem para o mesmo tumor de outro paciente. Logo, pode acarretar em métodos com alto custo para o paciente, pois há uma necessidade de tratamentos sob medida.

Outra forma que pode ser usada para o tratamento de câncer é através de anticorpos, como se fosse um “soro” para os tumores.

Um desses medicamentos que atacam diretamente o tumor, que já é usado em pacientes com câncer de mama, é o Trastuzumab. Este composto apresenta um tipo de anticorpo, o qual ataca um antígeno especifico, chamado de HER2. Basicamente, os anticorpos vão ser ligar em uma proteína que está presente nas células tumorais, e um linfócito vai entrar para a ação com o objetivo de destruir essa célula. Contudo, nesse caso, quem entra em ação é o Linfócito citotóxico (CD8+).

Agora, por qual motivo comentei sobre um medicamento que está (quase) estritamente relacionado ao câncer de mama, que é o Trastuzumab, o qual apresenta anticorpos contra o HER2? De fato, esse é um gene que tem uma superexpressão em tumores de mama. Mas, cerca de 80% dos GBM apresentam essa mesma superexpressão do mesmo gene. Ou seja, através de uma pesquisa, de uma pequena descoberta, ocorreu o desenrolar para outra, mesmo que, aparentemente, não apresentam nada em comum.

Por fim, retornando ao ponto de partida, esse texto não é apenas sobre alguns tipos de imunoterapias, mas também sobre como o conhecimento vai se transformando e modificando ao longo dos anos e dos trabalhos, por menores que sejam. Por isso, nenhum trabalho pode ser considerado insignificante. Talvez ninguém veja importância nele logo após ser publicado, mas pode salvar a vida de pessoas no futuro.

Bibliografia

Immune recognition of somatic mutations leading to complete durable regression in metastatic breast câncer.

Structural and funcional features of central nervous system lymphatic vessels

NCI Staff. Can immunotherapy succeed in glioblastoma? 2018.

Phase I Study of DNX-2401 (Delta-24-RGD) Oncolytic Adenovirus: Replication and Immunotherapeutic Effects in Recurrent Malignant Glioma

Autologous HER2 CMV bispecific CAR T cells are safe and demonstrate clinical benefit for glioblastoma in a Phase I trial.


Juliano Froder. Em primeiro lugar, Nerd. Depois, professor e por fim biomédico. Procuro conhecer sobre todas as ciências, sem divisão entre Humanas, Biológicas e exatas.