Alerin se recuperara quase que completamente, mas a presença dos sobrinhos em casa fez com que antecipasse o termino de sua recuperação, pois sua paciência estava no limite. Uma hora depois do amanhecer estava batendo na porta do mago.

– Tão cedo, nobre amigo? Não gostou dos dias em casa? Realmente desejas viajar tão rápido? – perguntou bem humorado, apesar da cara de sono.

– Vamos, Daniel! Meu corpo precisa de ação, meus ossos já começaram a ranger, fiquei muito tempo deitado. E os filhos da minha irmã não deixam a casa em silêncio. Estou te esperando lá embaixo – fez um gesto para o amigo e desceu.

Em pouco tempo, o mago se juntou ao sócio. Pediu para que Wilson chamasse o bárbaro – era uns dos jovens que vivia nas ruas próximas a taverna, ganhava uns trocados fazendo alguns serviços para o mago. Em pouco tempo, estavam quase todos juntos, com exceção do bárbaro, que ainda não chegara e as garotas que não tinham descido. Enquanto as moças desciam, o ladino foi ajudar a carregar uma bolsa modesta com algumas doações que receberam. Como as garotas estavam presas e sem nada, acabaram sendo bem recebidas pelo povo da cidade. Wilson entrou avisando que o Jerum estava lá fora esperando, recebeu três peças de cobre e saiu feliz, então, partiram se despedindo dos donos do estabelecimento.

Não existiam rotas alternativas, era uma estrada larga de terra dura que levava até Belo Jardim. Havia um estreitamento no meio do caminho por razões obvias, mas retornava para um tamanho normal em duas horas de caminhada. Teriam que acampar uma única vez e o grupo queria ficar o mais distante possível de problemas durante a viagem.

Durante a saída, as moças eram uma alegria só! Depois de quase serem mortas pelos goblins e ficarem mantidas em cativeiro, ficaram aterrorizadas imaginando que seriam usadas para algum ritual maligno. Foram dias de aflição sendo alimentadas por uma comida terrível escura e nojenta. E quando tiveram algum brilho de esperança, assim que apareceram seus salvadores, aquela terrível besta surgiu. Tinham certeza que seria o fim, sobreviveram às humilhações e comida horrível para servirem de oferendas para uma grande besta maligna, porém, contrariando as suas expectativas, o grupo sobrevivera ao confronto. Na realidade, o anão se revelara um grande herói que derrotou o lobo gigante sozinho. Depois foram bem tratadas pelo pai do anão e por causa deles estão indo finalmente para a casa do tio.

Foram horas de viagem tranquila, o ladino insistia em galantear as moças, deveria fazer bem ao ego dele arrancar de tempos em tempos algum sorriso das moças. O bárbaro se mantinha calado e não conversava com ninguém, passava muito tempo quieto, algumas vezes perguntava ao anão sobre a fera que enfrentara e afirmava que gostaria de ter visto a besta com os próprios olhos. Uma vez Alerin resolveu esticar mais a conversa e respondeu:

– Com certeza o senhor conseguiria derrotar o monstro. Viajas pelo mundo, já deve ter confrontado diversas feras terríveis – o anão tentava através do elogio conseguir a simpatia de Jerum.

– Hum, não creio. Acho que morreria junto com a besta se tivesse alguma sorte na luta – o bárbaro parecia desconfiar da história do anão.

O guerreiro era mais falante, passava boa parte do caminho contando suas histórias de Porto Azul. A viagem foi mais lenta do que imaginavam, as moças não eram acostumadas a cavalgar e constantemente pediam para parar. O grupo cedia mesmo com os protestos do bárbaro e do mago, e assim acabaram chegando no desvio quase ao entardecer.

Logo pegaram um desvio, uma estrada mais curta pra o leste. O céu também parecia não ajudar o grupo, pois uma formação vinha do sul.

– Tinha uma estrada em frente? Notei que há restos de uma, por que foi abandonada? – perguntou Luise.

– Bem… Há quinze anos, uma jovem senhora estava indo em direção a Porto Azul, iria se casar com filho de um dos donos do porto Raposa Vermelha – disse o ladino.

– Mas a moça não teve tanta sorte. Foi escoltada por homens de confiança do seu pai, mas mesmo assim foram vitimas de ladrões na estrada – disse Jorge.

– Os ladrões não acreditam na sabedoria do povo e esconderam os corpos para não deixar rastros – continuo o antigo guarda.

– Assim, o pai da moça pagou buscas por semanas, até que encontraram o local da luta, mas nunca acharam os corpos – acrescentou o mago.

– E os ladrões ficaram impunes? – perguntou a moça mais jovem chamada Helena.

– Não – disse o bárbaro quebrando seu silêncio em horas e conseguindo a atenção de todos – os homens do pai da moça acharam os ladrões e todos os pertences dela – continuou com um sorriso sinistro no canto da boca – estavam empalados com a pele branca feita neve e seus rostos tinham uma expressão de terror.

– Os mortos amaldiçoaram o local e têm inveja de quem passe por lá. E vocês, tão belas, poderiam despertar a fúria da jovem vermelha – completou Alerin.

– Credo! – disse Helena espantada.

– Acho que a ordem branca já deveria ter tentado novamente purificar o local, já são quinze anos que isso aconteceu, fecharam o local com vários pés de distância e esqueceram – disse o anão.

– Caro, sócio, são nove anos sem problemas, a ordem tentou limpar o local e não foi bem recebida – informou o mago.

– Não sabia disto – disse o ladino – pelo jeito as escolas de magia trocam informações.

– Não trocam, são compradas e bem caras – afirmou o mago.

Desviaram para leste, a estrada estava mal feita e estreita, ruim para os cavalos e poderiam danificar algumas carroças frágeis que passassem por ali. A chuva não veio, mas as nuvens fizeram escurecer uma hora mais cedo do que imaginaram. Ninguém gostaria de acampar perto daquela estrada por causa daquele local, por isso ainda insistiram por um tempo, mas desistiram da ideia. O risco de perder um cavalo era grande, ou pior, poderiam invadir o terreno maldito. Assim acamparam a poucos passos da estrada, as moças ficaram aflitas de medo, bom para o ladino, pois sua companhia foi bem aceita. Daniel optara por fazer a primeira vigília, seria seguido pelo ladino e o guarda, depois seria a vez de Alerin e o bárbaro. O anão não gostou da ideia, pois esperava outro interrogatório sobre a morte do lobo-homem. A noite de Alerin foi agitada, pois um pesadelo o fazia lembrar de trechos da luta e foi assombrado a noite inteira por um monstro o amaldiçoando. Quando foi acordado para fazer a vigília, surpreendentemente o bárbaro não fizera nenhuma pergunta a respeito, trocou duas palavras com ele e ficou quieto pelo restante do tempo para alivio do anão.