Com o aumento da escassez de água no mundo, não há dúvidas de que usar água reciclada será considerado normal. Parte do inevitável será o uso de águas residuais (popularmente chamada de esgoto) para suprir a crescente demanda de alimentos. Mas como se sentir confortável com ao uso de água residual para a produção de alimento?


Isso já acontece, mas precisa ter seu uso aumentado para manter as comunidades livres do perigos de usar esgoto não tratado.

O uso de águas residuais para produção de alimento é uma das principais questões da gestão da água e custos socioeconômicos. O crescimento exponencial da população e as mudanças climáticas estão comprometendo seriamente disponibilidade de água em várias regiões. Do oriente médio a África, do sudeste asiático a América latina. Comunidades locais precisam urgentemente encontrar soluções para a escassez de água.

Se usada de forma adequada, as águas residuais podem fornecer nutrientes importantes para o crescimento das plantas e substituir os fertilizantes minerais. Mas estas águas devem ser usadas apenas após serem tratadas. Infelizmente, isso não ocorre em várias regiões do mundo, e a realidade está distante disso.

As políticas agrícolas e hídricas não são suficientes para as ameaças à utilização das águas residuais não tratadas para irrigação. Frequentemente contaminada com metais pesados, contaminantes orgânicos, patógenos ou bactérias resistentes a antibióticos. Isto se acumula no solo, plantações e águas subterrâneas, entrando na cadeia de produção de alimentos.

Se as evidências de danos à saúde humana e ao ambiente são tão claras, por que os agricultores continuam usando águas residuais não tratadas para irrigação?

Em países em desenvolvimento, o uso de esgoto não tratado tem uma grande vantagem: custo zero. Ou seja, os agricultores utilizam para irrigação águas residuais sem o tratamento necessário para evitar os riscos à saúde pública.

A escassez de água fará com que mais e mais agricultores usem águas residuais para irrigação. Siegfried Modola/Reuters

 

Hoje, as águas residuais irrigam de 1,5% a 6% das terras agrícolas mundiais; cerca de 10% dos alimentos produzidos no mundo utilizam desta prática. Mas a verdadeira extensão de águas residuais não tratadas usadas ilegalmente na agricultura é desconhecida.

O Vale do Mezquital, México, ilustra perfeitamente os problemas envolvidos. A rápida urbanização e as facilidades do tratamento inadequado levaram agricultores do Vale a usarem águas residuais não tratadas da Cidade do México para irrigação. Por mais de um século esta prática ajudou a aumentar as áreas cultiváveis e baixou os custos da produção.

Mas estes benefícios começaram a ter custos sobre a saúde da população. O uso desta água causou doenças gastrointestinais e câncer na população local. Crianças, mulheres grávidas, idosos e pessoas com o sistema imune comprometido por HIV/AIDS são especialmente vulneráveis.

Não é coincidência que o Vale do Mezquital tem os maiores índices de incidência de câncer nos rins, e alta ocorrência de verminoses e infecções por giárdias em crianças.

Os agricultores do Vale do Mezquital têm usado as águas residuais durante um século. Alextorrej, CC BY-SA

 

Somente através do desenvolvimento de estratégias de saneamento ecológico tem sido possível a redução das cargas de poluição da água, conservando os benefícios dos nutrientes. Desde 1999, foram construídas usinas de águas residuais locais, e novas terras úmidas foram construídas com resultados satisfatórios para a qualidade da água. Mas o povo do Vale ainda não acredita nos benefícios da água residual tratada.

A experiência dos países industrializados mostra que mesmo as tecnologias avançadas de tratamento de águas residuais, lutam para enfrentar todos os riscos. Sabe-se que a presença de poluentes emergentes (resíduos de remédios, produtos de uso pessoal, hormônios, por exemplo) e bactérias resistentes aos antibióticos em águas residuais escapam ao tratamento convencional deste tipo de água.

Estes contaminantes são, mesmo em baixas concentrações, uma séria ameaça para a saúde humana. Por isso são necessárias tecnologias e monitoramento estruturado para garantir respostas rápidas a fim de manter as comunidades seguras.

Não há como escapar do fato de que nosso futuro alimento será cultivado usando água residual. Os regulamentos e as políticas governamentais devem ser avaliados juntamente com as evidências científicas para o perigo que as águas residuais podem representar para a saúde humana. Só então o uso seguro das águas residuais na agricultura estimulará o desenvolvimento sustentável em nosso mundo escasso em água.

Fonte: The Conversation