Muitas religiões, desde o princípio de nossas manifestações culturais, pregam sobre a necessidade de afastarmo-nos das necessidades carnais. Talvez porque elas revelam nossa natureza animal. Elevar a racionalidade de nossos atos, assim, revelaria a primazia de nossa divina moral.

Uma das características que mais me faz gostar do seriado Star Trek é a atemporal forma apartidária de lidar com assuntos que perseguem o subconsciente de nossa sociedade. A ambientação futurista de problemas que, na verdade, não estão presos ao tempo, mas que permeiam a nossa forma de interagir com o mundo, faz com que a série possa ser indicada até para os dias atuais (para aqueles que não se prendem as necessidades gráficas das grandes produções cinematográficas).

Com seu elenco multicultural, a série apresenta uma perspectiva reflexiva de nossos dilemas antropocêntricos. O seriado é centrado sobre James T. Kirk (Capitão Almirante), Spock (Tenente-Comandante; Capitão) e Leonard McCoy (Tenente-Comandante; Almirante). Porém, ao ver desse humilde redator, o personagem com maior importância para o mesmo seja o Capitão Spock.

Spock foi um personagem interpretado primeiramente por Leonard Nimoy na série Star Trek original (1966). A partir do filme Star Trek (2009) o personagem passou a ser interpretado por Zachary Quinto.

Sendo um híbrido entre humano, por parte materna (Amanda Grayson), e vulcano, por parte paterna (Sarek), Spock é a representação da racionalidade da tripulação. Os vulcanos, conhecidos pelo seu comportamento frio e racional devido à repressão de emoções, foram a primeira raça alienígena com quem os humanos fizeram contato, no seriado, em 2063.

Os vulcanos apresentam uma ideologia que eleva o conceito racional como algo natural, e fundamental, às raças inteligentes, sem que seja necessário atribuir os fundamentos de seu desenvolvimento, diferente do que se possa imaginar quanto as supostas convenções divinas à racionalidade, sendo os mesmos um subproduto do aumento da capacidade cerebral.

Por um outro lado, porém, Spock tem um papel reflexivo quanto a busca por sua identidade, decorrente do conflito da união ambas as naturezas, humana e vulcana.

Essa busca por identidade revela muito de nossa natureza. Enquanto ainda meros produtos biológicos de uma gama de milhões de outras formas de vida com a qual partilhamos laços de origem, a natureza de nossa consciência faz-nos diferentes de todas as demais espécies. E, assim, vemo-nos como esse tênue invólucro vital que percorre uma indiscriminada via de duas mãos entre a mente e corpo.

O equilíbrio de ambas as naturezas, em meio às adversidades dos caminhos que cada um de nós percorre, reflete àqueles mais experientes. E assim Leonard Nimoy dramatiza esse personagem ímpar, que merece muito mais que apenas uma breve menção.

Vida longa e próspera.

Nicolas Sampaio,
Pedante e amante das ciências naturais,
em busca de um novo planeta para chamar de lar.