É uma realidade inegável que ainda hoje a grande maioria dos cientistas nas engenharias e matemática são homens e de descendência europeia. Felizmente é uma realidade que está mudando, mas ainda é algo, digamos, diferente ver uma mulher no departamento de matemática da renomada universidade de Stanford (no departamento em que ela era professora, são 5 ou 6 dentre aproximadamente 50 professores). Maryam Mirzakhani não só alcançou uma posição numa universidade renomada, mas ganhou ainda mais destaque por conquistar a medalha Fields de Matemática (comumente descrita como o equivalente de um Nobel para o campo) em 2014. Infelizmente a carreira e a vida dela foram subitamente interrompidas por um câncer, em julho de 2017.

Maryam Mirzakhani nasceu no Irã em 1977. Sua infância foi durante a guerra Irã-Iraque, que perdurou de 1980 até 1988; ela diz que sua geração teve sorte “porque as coisas ficaram mais estáveis na adolescência”. Quando criança gostaria de ser escritora, mas começou a se interessar por ciências através do seu irmão mais velho. Ela se destacou desde cedo sendo selecionada para estudar em uma escola para talentos (Farzanegan). Em 1994 ela participou do time iraniano que venceu a Olimpíada Internacional de Matemática. No ano seguinte, repetiu o feito, porém desta vez conseguindo a nota máxima.

Fez graduação em matemática na Universidade de Tecnologia de Sharif, a universidade técnica de maior destaque no Irã e de certo destaque mundial. É conhecida como “MIT Iraniano”. Apesar de ser relativamente pequena perante grandes universidades mundiais (10 mil estudantes) é conhecida pelo alto nível de seu corpo discente e diversos ex-alunos são professores em grandes universidades na Europa e Estados Unidos. A fama que os alunos da Sharif têm no Irã é de certa forma parecida com que os alunos do ITA possuem aqui no Brasil.  Ao contrário do que muitos pensam, a participação feminina nas universidades iraninanas é relativamente alta, em torno dos 50%, com mulheres sendo maioria em 6 de 7 áreas acadêmicas (exceção sendo engenharia) até 2013.

Na sequência, completou doutorado na Universidade de Harvard em 2004. Seu orientador foi Curtis McMullen, matemático que também recebeu a medalha Fields em 1998. Chegou a lecionar na Universidade de Princeton entre 2004-2008 e, em 2008, ingressou na Universidade de Stanford. Sua área de pesquisa envolvia o estudo de estruturas geométricas em superfícies e suas deformações. Parte de sua contribuição foi o estudo de “moduli space” destas superfícies, um tópico dentro da Geometria algébrica. A área tem conexões com física teórica, topologia e análise combinatória. Um de seus teoremas relacionado ao número de possíveis formas de uma estrutura particular (geodésica) cresce exatamente como o número de números primos até um certo valor.

Mais especificamente, ganhou notoriedade em seus estudos sobre “superfícies de Riemann”, que é o estudo de superfícies com certas características, no caso, podem ser vistas como versões deformadas do plano complexo (aquele em que parte real é o eixo x e imaginária o eixo y). Como é comum em matemática, ela estudava problemas abstratos e deu contribuições ao entendimento destes problemas. Aplicações futuras podem aparecer em diversas áreas quando um pesquisador em outra área, mais aplicada, identificar que seu problema concreto é um caso particular deste problema abstrato e que pode-se fazer uso destes estudos.

Suas contribuições levaram ao Fields Medal em 2014 – mesmo ano em que  Artur Ávila se tornou o primeiro brasileiro a recebê-lo. Este prêmio é dado a cada quatro anos para pessoas que deram grandes contribuições na área de matemática. Maryam Mirzakhani foi a primeira a mulher a receber a medalha e também a primeira iraniana. Ainda que tenha sido uma pessoa reservada a respeito dos aspectos políticos e sociais a envolvendo – mulher e iraniana, certamente é uma inspiração para muitos como pontuado por Marc Tessier-Lavigne, reitor (presidente) da Universidade de Stanford.

Maryam Mirzakhani foi diagnosticada com câncer de mama em 2013. Realizou o tratamento e continuou trabalhando. No entanto, em 2017 o câncer se espalhou para os ossos e ela infelizmente veio a falecer no dia 15 de julho de 2017. O fato foi noticiado em grandes jornais e inclusive o governo iraniano liberou uma nota lastimando a perda. Como uma triste coincidência, o também matemático e iraniano Babak Farzad (medalha de bronze na Olimpíada de matemática de 1996) está também sob tratamento de quimioterapia contra o câncer e no seu perfil no Facebook escreveu uma interessante frase [1]: “(Câncer e quimioterapia) não é uma batalha. Se fosse, Maryam teria vencido a batalha 1000 vezes”. Maryam já havia passado por outro grande susto quando em fevereiro de 1998 o ônibus que trazia o time de matemática da universidade de Sharif sofreu um acidente que deixou dois mortos quando ela estava na graduação.

Certamente ela será sempre lembrada e esperamos que ela sirva de exemplo para futuros cientistas. A ciência com certeza precisa de Newtons, Einstens, Eulers, mas também precisamos aumentar a dose de Marie Curies, Ada Lovelances e Maryam Mirzakhanis.

Maryam era casada com o Húngaro Jan Vodrák, que trabalha na área de ciências da computação teórica e matemática aplicada. Ela deixa uma filha chamada Anahita (imagem abaixo) de 6 anos de idade.

Fonte: Press-TV Iran

[1] Infelizmente não foi possível colocar link direto. Digitando Babak Farzad na procura do Facebook deve ser o primeiro ou um dos primeiros a aparecer. (Ele é professor numa universidade do Canadá).

 


Felipe de Souza

É um doutorando tentando ser o menor culpado pelo excesso de trânsito em sua cidade.