Que tal, do dia para a noite, termos capacidade computacional para quebrarmos as senhas de qualquer banco do mundo? Mas seria realmente possível? A resposta para isso está em um “novo” tipo de computação, que nem é tão novo assim, pelo menos conceitualmente, mas que ainda não existe de fato (apesar de já existirem protótipos), que é o chamado computador quântico.

Tudo começou em uma palestra proferida pelo famoso físico Richard Feynman (vencedor do Prêmio Nobel de Física em 1965) na década de 80, em que teorizou um computador que fosse regido pelas leis da mecânica quântica (conjunto de regras e leis que regem o mundo dos átomos e partículas, uma das teorias mais bem sucedida da Física) e que isso poderia aumentar seu poder de processamento, ou seja, sua velocidade de realizar operações por segundo.

Os computadores são formados por diversos elementos, sendo que um deles é o chamado processador, um análogo ao cérebro, e assim que você liga seu computador esses processadores começam a trabalhar. Este item que é formado por milhares (ou até mesmo milhões!) dos famosos transistores (esta que é uma das maiores invenções da humanidade, inclusive resultando em outro prêmio Nobel de Física compartilhado por 3 físicos em 1956), por onde passa corrente elétrica, que possui duas opções de funcionamento: ligado e desligado. Um computador, num contexto mais amplo, é dividido entre software e hardware, e a forma com que o software (é o que você xinga) conversa com o hardware (é o que você chuta) é utilizando os dígitos binários que são conhecidos como “bits” de informação, onde a informação é armazenada para ser lida por outras partes do computador, sendo o ligado e desligado designados por “0” e “1” no contexto binário. Dessa forma, o bit pode variar entre o estado “0” e “1”, as duas únicas possibilidades.

Porém, para o computador quântico esse bit é diferente, sendo chamado de qubit (de quantum bit, o bit quântico), mas agora ele não tem somente duas possibilidades como o bit clássico e sim uma infinidade de possibilidades, pois ele é uma combinação linear (a grosso modo, é uma mistura) do “0” com o “1”, tecnicamente chamado de superposição de estados (onde o “0” e o “1” seriam um estado cada). Isso porque suas leis são regidas pela mecânica quântica, aquela mesma do famoso gato de Schrödinger que está vivo e morto ao mesmo tempo (posso escrever um texto sobre isso no futuro, caso queiram ;D), sendo que essa infinidade de possibilidades gera consequências incríveis.

A computação quântica torna os cálculos muito mais ágeis devido a essa enorme possibilidade advinda da superposição de estados. Porém, eles são mais específicos para cálculos mais difíceis, eles conseguem lidar com mais informações e como as processam mais rápido que os computadores pessoais que temos hoje. Em outras palavras, em problemas que nossos computadores precisam de anos para resolver, os computadores quânticos levariam poucos minutos!

Como comparação, um computador quântico de 30 qubits seria tão poderoso quanto um computador clássico de 10 teraflops (= 10 x 10^12 flops), flop é unidade de velocidade da computação. Para se ter uma ideia, um computador pessoal que temos hoje em nossas casas tem, em média, 7 gigaflops (= 7 x 10^9 flops), ou seja, um computador quântico seria em torno de 1000x mais rápido que nossos computadores (em geral) atuais.

Vários sistemas físicos já foram pensados para serem usados como qubits, como fótons (partículas que compõe a luz), spin (propriedade intrínseca da matéria, como a massa, por exemplo) do elétron, ou até mesmo os próprios elétrons. Porém, um dos problemas do computador quântico (talvez o maior) é sua sensibilidade, ele é muito frágil perante qualquer perturbação externa, como flutuações de temperatura, por exemplo. E é aí que entra outro conceito importante que os pesquisadores na área buscam atualmente, o computador quântico topológico. Topologia é um conceito originário da matemática e que hoje aparece em algumas áreas da Física (como Física da matéria condensada), e bem a grosso modo significa que estados topológicos são estados fortemente protegidos do meio externo, ou seja, caso fosse possível a construção de um qubit topológico (esperamos muito que seja), este seria resistente contra o indesejável fenômeno de decoerência (fenômeno que faz com que o qubit perca a informação armazenada devido a interações externas com o próprio, como a temperatura que citei acima).

Dessa forma, cientistas de áreas relacionadas estão em busca de um ente físico que seja imune a este problema e consequentemente ser o tijolo fundamental para o computador quântico. Com isto posto, vale mencionar que recentemente muita atenção tem sido dada aos chamados férmions de Majorana (partículas que possuem certas características peculiares que se encaixariam como qubits, sendo além disso objeto de estudo de minha pesquisa de doutorado e que levaria outro texto para explicar melhor o que são hehe). Caso estes férmions realmente existam (hoje eles são resultado matemático de uma equação física, ainda não foram observados experimentalmente em laboratório, uma redundância que achei válida colocar aqui) eles teriam um grande potencial para serem os novos qubits topológicos.

Ok, já entendi que esse novo tipo de computação é mais rápida que a atual, e aí? E aí que várias coisas que hoje levaríamos anos para fazer, inclusive várias pesquisas atuais, teriam parte significativa de seu tempo drasticamente reduzido. Para exemplificar, uma pesquisa que necessite de modelagem computacional para gerar resultados, como por exemplo pesquisas glaciais que trabalham com modelos para estimar o tempo de derretimento de geleiras, se nesses modelos forem colocados todos os ingredientes que os pesquisadores têm em mãos, o computador levaria um tempo gigantesco para terminar de rodar o código, problema que muitas vezes torna esse tipo de pesquisa impraticável ou precisando utilizar modelos menos completos que gerem os resultados após um intervalo menor de tempo. Diferentemente, se fosse utilizado um computador quântico isso seria possível com o modelo original e complexo. E este seria só um exemplo de diversos que eu poderia colocar aqui, gerando uma revolução em vários campos da ciência!

Outra coisa seria as senhas de um banco, que muitas vezes estão relacionadas a fatoração de números primos muito grandes, tarefa impraticável pelos computadores atuais, mas que é esperada que seja muito bem sucedida por esses novos caras. Isso significa que quem construir o primeiro deles poderá roubar bancos? Não, obviamente que com o avanço dos protótipos até o (esperado) início de um processo industrial a segurança da informação teria avançado suficientemente o bastante para que problemas com essa nova tecnologia não aconteça.

Enfim, é esperar a pesquisa prosperar e que logo tenhamos máquinas deste tipo em centros de pesquisa para nos ajudar a desenvolver a ciência como um todo. E com mais ciência podemos ter mais textos publicados aqui neste portal que realiza esse trabalho tão importante que é a divulgação científica.

 


Fernando Dessotti

Doutorando e professor de Física, além de apreciador de livros, podcasts e churrasco.