“Roda Crysis”? Se você era PC gamer no final da primeira década dos anos 2000, provavelmente já ouviu essa pergunta. Crysis, FPS lançado para PC em 2007 pela EA e desenvolvido pela Crytek, ficou famoso pelos excelentes gráficos que exigiam um hardware poderoso para rodá-los, o famoso PC da “NASA”.

O game conta a história de um grupo de soldados da Força Delta dos EUA que são enviados para investigarem uma escavação em uma ilha da Coreia do Norte, porém acabam se metendo no meio de uma invasão alienígena. O que chama a atenção no game (influenciando na mecânica de gameplay) é o traje utilizado pelos soldados, capaz de conceder ao usuário, poderes extraordinários, como super força, super velocidade, invisibilidade e blindagem contra projéteis e impactos. Hoje falaremos sobre a nanosuit e o quão longe estamos de construir uma.

Nanosuit do primeiro Crysis

Nanosuit do primeiro Crysis

No game, através de engenharia reversa da tecnologia Ceph (civilização alienígena presente no game) foi desenvolvido um material chamado CryFibril, esse material pode ser programado para diversos fins, e na forma de um traje (o nanosuit) concede habilidades sobre-humanas ao usuário. Já adiantando, as habilidades vistas no game são: força e velocidade aumentadas, armadura altamente resistente e camuflagem na forma de invisibilidade. Antes de analisarmos cada aspecto dessas habilidades, vamos aprender um pouco mais sobre nanotecnologia.

Em 1959, o físico Richard Feynman já falava sobre a manipulação da matéria em uma escala muito pequena. Levantou-se a possibilidade de lidar com átomos individuais de uma forma altamente controlada rearranjando suas estruturas, isso acabou por inspirar o início de um novo campo de estudo conhecido como nanotecnologia.

Em outras palavras, a nanotecnologia lida com coisas que são muito pequenas. Para termos uma ideia de tamanho, partículas nanométricas são 50.000 vezes menores do que um fio de cabelo humano. Entram nessa escala vírus e proteínas. Atualmente já produzimos nano partículas sintéticas para uma ampla variedade de aplicações que já podem ser encontradas em mais de 500 produtos de consumo, desde meias até maquiagem. Sendo até mesmo estudada para tratamento de câncer, onde nanopartículas podem administrar drogas diretamente nas células cancerígenas, evitando a morte de células saudáveis, ao contrário do que acontece com o tratamento convencional, como a quimioterapia.

Quem jogou Metal Gear Solid 4 do PS3, viu que no game soldados recebem injeções de nano máquinas que podem administrar doses de adrenalina e nutrientes, além de monitorar e fornecer informações sobre fatores fisiológicos do soldado, como temperatura corporal, frequência cardíaca e pressão arterial. Além de tudo isso, as nano máquinas também geram um sistema de comunicação entre soldados e comandantes. Todos esses recursos podem viram realidade em um futuro próximo. Vamos agora nos aprofundar no tema e ver que não precisamos de uma super tecnologia alienígena para criarmos uma nanosuit, nós já temos essa tecnologia. Vamos conhecer os nanotubos de carbono.

O prêmio Nobel de física de 2010 foi dado aos pesquisadores Andre Geim e Konstantin Novoselov, devido as suas experiências inovadoras com o material grafeno.

Notem a semelhança: Do lado esquerdo temos a nanosuit vista de perto, já do lado direito o grafeno visto em nano escala

Notem a semelhança: Do lado esquerdo temos a nanosuit vista de perto, já do lado direito o grafeno visto em nano escala

O grafeno é formado por uma rede átomos de carbono organizados de forma hexagonal e repetitiva. Ele possui propriedades incríveis, como ser altamente leve, condutibilidade elétrica elevada, resistência a ruptura 100 vezes maior que a do aço, além de ser bem maleável. Enrolar o grafeno, em estruturas denominadas nanotubos de carbono, eleva ainda mais as propriedades desse material, tornando-o mais resistente que o próprio diamante.

Representação de um nanotubo de carbono

Representação de um nanotubo de carbono

Chegamos ao primeiro super poder da Nanosuit, força e velocidade aumentados. No game quem faz essa proeza é o material alienígena CryFibril, mas uma equipe de pesquisadores na Universidade do Texas liderada por Ray Baughman já conseguiu produzir tal feito desenvolvendo uma fibra muscular de tamanho microscópico. Feita com nanotubos de carbono, traçados em fios mais grossos e colocada em cera de parafina, tem a propriedade de se contrair rapidamente quando em contato com calor ou eletricidade, isso a torna até 200 vezes mais forte do que qualquer músculo humano. Esses músculos artificiais, teoricamente podem fornecer super forca e alta velocidade, se fossem ajustados para serem usados em um traje por exemplo. É um tecnologia bem promissora que provavelmente estará disponível para uso em um futuro próximo.

Músculos artificiais de nanotubos de carbono

Músculos artificiais de nanotubos de carbono

Mantendo nosso foco ainda nos nanotubos de carbono podemos utiliza-los em outra propriedade da nanosuit, a super armadura. No game, a CryFibril pode “contrair” a parte externa do traje, fazendo com o que o mesmo ganhe alta resistência a impactos, porém novamente aqui os nanotubos de carbono poderiam fazer esse serviço. Eles podem ser fiados e trançados de uma forma que forneçam um tecido leve e altamente resistente. Atualmente, coletes à prova de balas já são feitos com esse material e pesquisas apontam possíveis aplicações em outros ramos.

Vamos deixar de lado um pouco os nanotubos de carbono, já que poderíamos melhorar ainda mais um traje assim usando um polímero conhecido como gel D3o. Obra do engenheiro Richard Palmer de Brighton, no Reino Unido, o D3o possui uma ligação química fraca quando em repouso, adquirindo maciez e sendo facilmente deformado. Mas isso muda quando ele é submetido a choques mecânicos rápidos, o polímero se torna rígido, amortecendo o choque ocasionado na região. Agora imagine isso sendo aplicado como proteção contra projeteis de armas de fogo, além de outros tipos de pancada. Se encaixa perfeitamente na confecção de um possível nanosuit.

Como as moléculas do gel D3o se comportam durante um impacto

Como as moléculas do gel D3o se comportam durante um impacto

Se estiver disposto a fazer uma experiência, proponho fazer a experiência da água e amido de milho (aquela marca, sabe né?). O funcionamento do D3o é o mesmo dessa experiência.

Para finalizarmos, vamos falar sobre a função camuflagem da nanosuit, ou melhor, a invisibilidade que ela proporciona ao usuário.

Antes uma breve explicação de como nossa visão funciona. Nós enxergamos a luz que é refletida pelos objetos, sendo captada pelas células de nossos olhos e transformando-se em um sinal químico, que depois ainda se torna um pulso elétrico chegando ao nosso cérebro. Ou seja, um raio de luz bate em algum objeto e o que vimos é a reflexão desse raio captado pelos nossos olhos.

Só para exemplificar como funciona nossa visão

Só para exemplificar como funciona nossa visão

Com base nisso, os estudos nessa área (invisibilidade) são baseados na obtenção de materiais que reflitam esse raio de luz na direção da sua fonte, isso faz com que ele se anule. Se o raio de luz refletido pelo objeto não chega aos nosso olhos, isso torna o objeto invisível para nós. Também tem se estudado meios de se fazer o raio de luz contornar o objeto, o resultado acaba sendo o mesmo, não vemos o objeto, já que o raio de luz não chega aos nosso olhos. Atualmente diversos tipos de materiais estão sendo testados, incluindo alguns baseados em nanotecnologia e os resultados mostram que em um futuro próximo conseguiremos tornar objetos invisíveis.

O problema aqui é quando aplicamos essa técnica em uma pessoa vestindo um traje, no nosso caso uma nanosuit. Como vimos antes, para que uma pessoa se torne invisível, é preciso que toda luz incidente nela, seja refletida ou desviada. Com isso os olhos da pessoa invisível não receberão luz, se eles não recebem luz a pessoa não enxerga. Infelizmente até agora não houve solução para isso, desse modo, uma pessoa que se torne invisível perde a visão. Com certeza isso seria um grande problema para nosso soldado em Crysis.

Novamente chegamos ao fim de mais um texto. Esse provavelmente foi o que chegamos mais perto da tecnologia que temos hoje.

Gostou? Deixe ai sua opinião nos comentários. Críticas e sugestões são bem-vindas. Deixo recomendado o SciCast #123: Química 2, onde falamos sobre os nanotubos de carbono e algumas de suas aplicações. Até mais.

 

Fontes: Ciência & Games, Ah Duvido!! e Kotaku