Olá! Muito obrigado por estar ligando para o Serviço de Atendimento à Ciência, o SAC. A sua pergunta é muito importante para nós! Você pode estar dizendo o tópico de interesse enquanto está ouvindo essa música de qualidade duvidosa e irritantemente repetitiva?

Nossa ligação de hoje faz uma chamada até São José dos Campos/SP para conversar com o grande Guilherme Vertamatti, redator do Deviante, participante do Meia-Lua e co-criador do Costelas e Hidromel, para conhecer sobre a vida de um engenheiro de minas, o profissional responsável pelos processos de extração de minérios, de forma com que eles sejam feitos da forma mais segura e viável possível.


SAC: Para começar… Por que existe uma engenharia específica pra fazer só trem e pão de queijo?

Guilherme: Hahahaha! A abrangência da engenharia é muito grande, de forma que a especialização passa a ser essencial para a formação de bons profissionais. No caso da mineração em específico, temos os dois motivos básicos para existir. Primeiro, quanto mais otimizado o processo e mais eficiente, mais dinheiro se ganha ao gerar um produto ou commodity, se mantendo o mesmo valor de mercado. O segundo é que existe um enorme risco ambiental e social na mineração, então precisamos de gente muito capacitada e, principalmente, pensante para poder fazer o trabalho sem destruir tudo.

 

SAC: E vamos começar com as palavras difíceis já… O que raios é uma commodity?

Guilherme: É uma forma de chamar o produto, seria algo como o nosso termo “mercadoria”. No entanto, geralmente, a mineração produz muito mais matérias-primas do que algo pronto. No máximo, tratamos o minério para que ele seja mais facilmente utilizado pelas indústrias. Por exemplo, nós extraímos o minério de ferro e, no máximo, concentramos ou purificamos ele antes de vender. É como, numa cadeia alimentícia, nós fossemos a  fazenda que produz trigo e, no máximo, farinha, para depois vender e quem comprar, que se vire com isso hahahaha.

 

SAC: E qual é a ideia do trabalho do engenheiro de minas? Como ele faz essa “fazenda” render mais? É só sair colocando esterco nos minérios que vai aparecendo mais ferro?

Guilherme: O engenheiro de minas tem 3 grandes grupos de trabalho: prospecção e mapeamento mineral, extração mineral e tratamento mineral. Nós, engenheiros, seguindo essas três linhas principais, podemos ajudar a “fazenda” otimizando esses processos. Mas o meu foco, dentro da especialização (sim, o engenheiro normalmente tem a visão do todo, mas busca algo em que ele seja totalmente capacitado; é como fazer o mestrado e o doutorado) sempre foi a parte de fragmentação de rochas e uso de explosivos. No meu caso, além de otimizar os trabalhos para aumentar a lucratividade, eu ainda cuidava de toda a parte de segurança, para que nenhum fragmento fosse arremessado ou que a vibração não causasse danos às cidades próximas de cada mineração.

 

SAC: Vamos com calma e ir do começo… O que é esse tal de “mapeamento mineral”?

Guilherme: O mapeamento é como “chutar”, de maneira consciente, como é o fundo da terra, quais materiais estão lá, a largura das camadas e tudo mais. Hoje em dia temos técnicas e equipamentos que nos permitem ser bem precisos, mas antigamente era bem na base de abrir poços e observar mesmo, uma vez que, por sorte, a natureza é lógica, então podemos fazer alguns furos e estrapolar o formato dos corpos de minério.

 

SAC: E é a partir desse “chute” que vocês conseguem fazer a tal “prospecção”? Ou existem outros processos importantes pra conseguir encontrar uma nova mina?

Guilherme: A prospecção é o estudo feito antes do chute, na verdade. Prospectar vem do conceito que procurar. Na prospecção, quanto mais preciso é o mapeamento do corpo mineral, melhor será o planejamento e tiraremos o mínimo de outros materiais ou estéril. Chamamos de estéril toda a parte financeiramente inútil para a produção que estraríamos junto, pois simplesmente retirar só a parte boa é ecologicamente péssimo e insustentável. Hoje em dia é muito melhor, além de já termos vários dos chutes anteriores, que ajudam a basear, ainda temos técnicas como análise fotográfica de densidade, que nada mais é que um avião com uma câmera especial fazendo um voo numa área e registrando a densidade de cada trecho.

Fonte da imagem: tecnicoemineracao.com.br

SAC: E quando vocês encontram um trecho mais denso, como vocês batem o martelo, fazem o X no mapa e falam que tem tesouro ali?

Guilherme: Tipo isso, ou melhor, quase. Não tem nada melhor do que nossos próprios olhos para garantir, então quando achamos um local com a densidade que queremos (não precisa ser grande ou pequena, mas a do material que buscamos), aí vamos para a sondagem, que é literalmente abrir buracos profundos com uma broca e ver quais materiais saem de lá.

 

SAC: E o que pode sair de lá? Além de terra, areia e moedinha perdida? E das coisas que saem, quais delas valem a pena?

Guilherme: Se vai valer a pena ou não é uma questão de mercado, já que pode sair qualquer material daquela região. Os geólogos sempre nos ajudam DEMAIS com isso, afinal, eles são os senhores das pedras, hehe. O valor do material que retiramos tem um valor medido pela concentração (quanto daquele minério tem por tonelada) e a profunidade em que o encontramos. Esse número varia muito, por exemplo, enquanto o ferro precisa ter uma concentração de dezenas de quilos por tonelada para ser viável, o ouro precisa ter só algumas gramas (trabalhei numa mina que tirava 2 GRAMAS de ouro por tonelada de rocha e valia a pena).

 

SAC: Caramba! Isso que eu chamo de valioso! E quando vocês acham, qual é o próximo passo? A extração mineral?

Guilherme: Após garantir a documentação correta dos órgãos públicos, uma vez que o subsolo é de domínio da União, aí vem a extração. Faz-se todo o planejamento de que forma e ordem esse minério será retirado e tratado e depois se inicia a operação.

 

SAC: E que tipos de documentos vocês precisam antes de sair cavucando o chão por aí?

Guilherme: É uma pasta gigante e burocrática, mas resumidamente seriam documentos que autorizam você a extrair o material do subsolo, comercializar ele e pagar os devidos impostos. Outros documentos delimitam essa área e definem como você vai recuperar toda a mata original (fauna e flora) para compensar a destruição ambiental gigante que vai causar. Ah, além de delimitar o tempo que você tem para isso, já que nenhuma dessas permissões é vitalícia.

 

SAC: Ok, então tudo certo com os documentos, com o planejamento… Qual é o papel do engenheiro de minas durante a extração?

Guilherme: Basicamente garantir que ninguém vai fazer nenhuma besteira… Brincadeira, hahah! O engenheiro então começa a fazer os seus papéis diários e de rotina. Cabe ao engenheiro dimensionar o tamanho da frota e equipes que serão utilizadas naquele dia e em qual local cada equipamento deve trabalhar. Outro ponto fundamental do métier do engenheiro (e a mais legal, por isso me especializei nela) é definir como serão os próximos desmontes de rocha. Chamamos de “desmontar” as explosões feitas na mineração, para fragmentar a rocha até um tamanho otimizado para o transporte e, por incrível que pareça, definir em qual formato essa pilha de rochas irá ficar, pois cada equipamento trabalha melhor com uma pilha específica.

 

SAC: Quer dizer que você é especializado em jogar Jenga de forma cirúrgica usando dinamite com rochas gigantes? Isso é mais legal do que parecia antes, viu…

Guilherme: Exatamente! Ou quase, hehehe. Eu me especializei em definir qual a quantidade e diâmetro dos furos a serem feitos, quanto e qual explosivo vai lá dentro e em que ordem eu vou detonar cada um deles.

 

SAC: E, assim, se você não tivesse estudado tudo isso, que problemas poderiam acontecer? Além de ser horrível em Jenga, suponho…

Guilherme: O que poderia acontecer é atrapalhar ou inviabilizar uma produção, pois uma detonação mal feita, no mínimo, gera blocos enormes que precisam ser detonados de novo, algo que é mais caro e arriscado. Entretanto, o grande problema e o grande medo é o que chamamos de “ultra lançamento”, sendo basicamente os furos da detonação virarem verdadeiros canhões e arremessarem fragmentos de pedras para muito, muito longe.

 

SAC: Mas, rapaz! Isso é perigoso, mais do que eu já estava imaginando! E se essas falhas podem acontecer, como vocês se protegem de tudo isso?

Guilherme: Acho que a palavra chave seria esmero. Fazer desde os cálculos até o carregamento com cuidado e profissionalismo já garante quase 100% de uma boa detonação, mas como nunca confiamos totalmente no fator humano, costumamos também fazer um perímetro com 500m de raio do ponto de detonação, dentro do qual ninguém poderá entrar até que a explosão ocorra e que os engenheiros e técnicos afirmem que é seguro.

 

SAC: Nesse trabalho, é só abrigo, pedrada e bomba! E depois? O que acontece depois das detonações?

Guilherme: Elas são carregadas por caminhões e escavadeiras (que podem ter o tamanho de uma casa) até a usina de tratamento de minério, onde as rochas serão moídas e o metal ou outro material retirado para ser enviado para os clientes. Algumas minas de metais tem a parte de metalurgia também, transformando esse material em lingotes, rolos ou hastes para serem vendidos direto para as indústrias.

Fonte da imagem: Top Ten

SAC: E qual é o papel do engenheiro de minas nessa parte do processo?

Guilherme: O engenheiro de minas faz o dimensionamento (a seleção) de toda a linha industrial. Escolhe os moinhos, as correias transportadoras e o sistema de beneficiamento (que seria o sistema que retira o que interessa do minério e separa). Além de ter toda uma parte de sustentabilidade, como reuso das águas de processo e forma de descarte do rejeito. Outra coisa é que o engenheiro de minas, normalmente com um engenheiro químico, também faz todo o controle de qualidade desse processo.

 

SAC: Ou seja, o seu trabalho não acaba, nunca, rapaz! Tem mais utilidades que um Bombril, com certeza. Pra fazer tanta coisa, qual é, geralmente, a formação necessária para um engenheiro de minas?

Guilherme: A formação de Engenharia de Minas são 5 anos, dois de ciclo básico e três de ciclo específico. Quando me formei as duas melhores eram a USP e a UFOP, mas surgiram vários cursos novos em faculdades particulares, alguns bem legais também. Os dois anos básicos são iguais para todas as engenharias, já os específicos não, são bem direcionados para a área de Mineração mesmo.

 

SAC: E quem se interessou pela área, o que ela pode fazer pra conhecer mais?

Guilherme: Opa! Pode vir falar comigo no Twitter, hehe. Brincadeiras a parte, os dois lugares mais interessantes para iniciar a pesquisa seria ver a ementa dos cursos nas faculdades que eu comentei ou entrar no site do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) e ver as atribuições do engenheiro de minas. Outra coisa legal, que muita gente não pensa, é olhar as vagas para engenheiros de minas e ver o que pedem de experiência, assim dá para saber legal o que fazemos em cada área.

 

SAC: E, pra fechar, o que você fala aí pra todos os futuros engenheiros de minas que estão na linha conosco?

Guilherme: Duas dicas! 1. Busquem essa carreira se gostam de grana, mas morando em locais isolados. 2. Se trabalharem com a parte de desmontes, lembrem que, no dia que você perde o medo do explosivo, é o dia que você morre. Tchan, tchan, tchaaaaaaaan! Sorry, foi o engenheiro de segurança em mim falando, hehe!


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