Inovação é uma das palavras do momento, junto com várias outras que não quero colocar explicitamente aqui pra não deixar o texto muito datado. E, mesmo assim, eu não tenho receio de colocar a palavra inovação, porque ela virou quase um chavão comum do mundo da tecnologia. Todo mundo tem que inovar, encontrar novos caminhos, criar o futuro em que os nossos filhos e netos devem viver… É tudo tão lindo!

…Mas é difícil pensar no caminho pra chegar nisso, não? Digo, é muito legal que você tenha que aparecer na próxima reunião da empresa com uma ideia revolucionária para resolver aquele problema, mas não é bem assim que funciona.

É fácil associar a ideia de ter algo novo com uma novíssima descoberta científica ou a criação de uma tecnologia. Afinal, é só assim que é possível achar uma nova solução para um problema que todos já tentaram resolver, certo?

Nem sempre. E por mais que eu possa me estender aqui por mais vários parágrafos, vou tentar ir por um outro caminho. Ao invés de ficar falando e falando sobre assuntos abstratos como um coach de dono de startup de qualidade duvidável, vamos para um exemplo mais concreto.

Um exemplo mais concreto, simples e divertido de como, pra fazer algo novo, você não precisa ser o novo Einstein, mas só encontrar uma nova solução a partir da bagunça de coisas que já existem e estão disponíveis para você.

Basicamente, eu vou explicar como Duck Hunt funcionava e o quão genial, até pros dias de hoje, ele é. Sim, o joguinho de atirar nos patos que você jogava no Nintendinho.

Sim, é MUITO legal como ele funciona. Vai por mim, vamo lá!

Peguem o pombo! E o pato!

Duck Hunt é um dos jogos que, provavelmente, mais marcaram o NES (a sigla pra Nintendo Entertainment System, o nome oficial dele) ― ou Nintendinho, como chamam ele carinhosamente aqui no Brasil ―, principalmente para a galera que não realmente jogava muito. Ele era um joguinho bem impressionante quando foi lançado em 1985, nos Estados Unidos, como um dos títulos de lançamento do videogame.

A premissa era bizarramente simples, na verdade, mas, nem por isso, menos divertida: patos apareciam na tela e você devia tentar atirar neles antes que fossem embora. Acertando todos, você ia para a próxima fase, com mais patos, mais padrões de voo e mais velocidade. Errando, um cachorro irritante aparecia na tela tirando o sarro da sua “incompetência”. E o mais legal é que isso era feito com uma arminha de brinquedo que você apontava para a tela e atirava!

https://youtu.be/0vv1oGZLyp8?t=1m16s

Depois de você ter jogado boliche no Wii, ter um controle que não era tão convencional e que funcionava tão bem pode não te impressionar… mas, para a época, era sensacional! Por mais que controles diferentes estivessem sempre presentes nos arcades e fliperamas, ter isso no conforto da sua casa, com essa qualidade, era algo realmente espantoso.

E, por mais simples que fosse, funcionou muito bem, obrigado. Talvez o número não seja tão expressivo pelo fato do jogo vir no mesmo pacote que o videogame por alguns anos, mas Duck Hunt é o segundo jogo mais vendido da história do NES e o 13º jogo mais vendido da história dos jogos, chegando a absurdos 28,3 MILHÕES de cópias. O único que ultrapassou essa marca no console foi, obviamente, Super Mario Bros., com seus estonteantes 40,24 milhões de cópias vendidas. No final, a Nintendo mirou no pato e acertou direto no sucesso!

Na mira da esperteza (e da inovação)

Um clássico de crítica e público para uma ideia simples e divertida, executada com um aparelho diferente e que funcionava muito bem… Se você não conhece muito sobre a história dos jogos, parece que Duck Hunt é um jogo de vanguarda, com uma tecnologia nunca antes vista, aplicada de uma forma maravilho-… e não é bem assim.

O grande diferencial sempre foi a arminha de brinquedo que você usava como controle, ou como os publicitários da Nintendo achavam que ficaria “radical”, a NES Zapper. Com uma carcaça de plástico laranja toda colorida, ela tinha apenas um botão como gatilho e um cabo para conectar ao videogame como se fosse um controle convencional. Na ponta, ela tinha um fotodiodo: um componente eletrônico capaz de transformar luz em energia elétrica; basicamente, um nome chique para “detector eletrônico de luz”.

NES Zapper

Fonte da imagem: Nintendo Wikia

E isso estava longe de ser uma novidade da indústria, na verdade. O primeiro console doméstico da história, o Magnavox Odyssey, já tinha uma pistola de luz com essa mesma configuração em 1972, treze anos antes da investida da Nintendo. Como o videogame da época só conseguia colocar quadrados brancos em um fundo preto na tela, tudo que ele fazia era detectar a luz que vinha da tela ao apertar o gatilho: se fosse iluminado, você ganhava um ponto.

Como você (e todo mundo que comprou na época) acabou concluindo, era só apontar para algo que emitisse luz sempre, como uma lâmpada, que você ganharia pontos infinitos e… é, isso realmente acontecia no Odyssey. Some isso a decisões equivocadas de projeto e de marketing e a chegada de uma forte concorrente no mercado (assuntos para outros textos!) e é fácil pensar que o console da Magnavox não chegou nem perto do sucesso de Duck Hunt.

Pois bem, não é só o sucesso que era diferente, mas toda a cara do jogo. Sem quadrados brancos, Duck Hunt tinha um céu azul, grama embaixo e patos “de verdade” passando pela tela. Agora, como um simples detector de luz era capaz de entender o formato e a cor de cada objeto da imagem que estava na televisão para saber que era realmente um pato e não outra coisa do cenário?

Simples, ele não conseguia. A grande sacada não é ter desenvolvido um novo tipo de fotodiodo, ou ainda substituído isso por um novo e complexo detector. Tudo tinha a ver com a programação do jogo e o algoritmo genial que ele executava durante as partidas:

  1. Espere até que o gatilho da Zapper seja acionado.
  2. Logo após apertar o gatilho, deixe a tela totalmente apagada por uma fração de segundo.
  3. Coloque apenas um quadrado branco na tela, na mesma posição de onde estava o pato, por uma fração de segundo.
    1. Caso seja detectada luz, o jogador mirava para o pato/quadrado, logo, ganhe um ponto.
    2. Caso contrário, o tiro não acertou aquele pato, nada acontece.
  4. Caso exista mais de um pato na tela, repita o passo 3 para cada um, sempre um quadrado por vez.
  5. Volte a tela ao normal, com todos os desenhos, incluindo as figuras dos patos.

Para cada tiro, o que o jogo faz é colocar, em um piscar de olhos, vários quadrados na tela para checar se você realmente estava mirando para um pato. Só isso. Até mesmo para a época, isso não era um desafio impossível para um programador. 28 milhões de cópias vendidas de uma ideia simples, fácil de entender e que faz todo o sentido.

O mais legal é que, quanto mais você pensa sobre isso, mais a ideia parece inteligente e interessante. Mostrar um quadrado por vez na tela parece estranho, mas é fundamental para permitir que mais de dois patos apareçam na fase ao mesmo tempo. Afinal, a Zapper não consegue falar que “o jogador está mirando para o pato 2”, mas apenas que “o jogador está mirando para uma área com alta incidência de luz”. Se os dois quadrados aparecessem na tela ao mesmo tempo, seria possível saber que alguma ave foi atingida, mas não qual delas, inviabilizando totalmente o jogo. Imagina apontar pra um pato e o outro cair no lugar!

Além disso, existe uma diferença bem importante entre o que era feito em Shooting Gallery e em Duck Hunt. No jogo do Magnavox Odyssey, como já falamos, apontar para uma lâmpada era o suficiente para trapacear o jogo e conseguir vários pontos. Agora, no NES, aquela “tela preta” antes dos quadrados aparecerem era a forma encontrada pela Nintendo para corrigir esse erro: o jogo só contava pontos por apontar para a luz caso ele verificasse o escuro antes. Ou seja, a única forma de trapacear era desligar e ligar uma lâmpada tão rápido quanto o processador do videogame ― e mesmo para um aparelho dos anos 80, é bem difícil para um ser humano fazer isso.

Todo esse processo fazia a sua tela piscar por um momento, é claro, mas era tudo tão rápido que a chance de você conseguir realmente ver os quadrados era pequena. A única impressão era um flash em cada tiro, que, se formos realmente fundo, podemos pensar como uma representação do recuo da arma, talvez? De toda forma, era o preço a se pagar para que as coisas funcionassem e sendo algo novo naquela época, ninguém tava ligando muito.

A boa ideia já está na sua frente

Talvez não tenha sido um ótimo exemplo para o ponto que quero mostrar aqui, afinal, estamos falando só de um joguinho de videogame dos anos 80.

Mas, na verdade, ele é o 13º joguinho de videogame mais vendido de toda a história e tudo que ele precisou foi de um console que conseguia mostrar uns patos, grama e um cachorro chato na tela, uma técnica usando quadrados brancos inventada treze anos antes, um componente elétrico criado nos anos 40 e uma inovadora ideia para enxergar uma forma disso tudo funcionar junto.

É bom deixar claro que, de longe, essa não é e nunca será a única forma de inovar. Descobrir uma nova tecnologia, ou a descoberta científica do século, é tão importante quanto ter uma boa ideia aqui ou ali. Afinal, é isso que nos move pra frente e nos dá novas possibilidades.

Fonte da imagem: SENAI-RN

Mas o meu ponto é que várias dessas possibilidades já estão aí, mas ainda não foram encontradas, e o mundo das startups já sabe disso a um tempo. Nós temos tanta coisa a nossa disposição para desenvolver e criar soluções que, muitas vezes, basta apenas enxergar as coisas de uma outra maneira, fazer conexões que não tinham feito antes e pensar de um jeito que, talvez, alguém já pensou, mas não deu tempo de contar pro coleguinha do lado e você acabou nem sabendo ainda.

Agora, se quiser voltar um pouco mais ao presente, vamos esquecer os jogos oitentistas e pensar aí no menu de aplicativos do seu celular. Lembra de todos os apps que você instalou porque acabaram de entrar na moda? Ou então porque você leu um artigo que dizia como inovadora era essa ideia que três universitários tiveram e agora todo o mundo quer usar ele?

Em última instância, boa parte dessas ideias parecem tão simples quanto você pensa por esse lado, mas o grande marco foi quando alguém realmente viu que elas eram possíveis e colocaram em prática. Redes sociais já existiam desde muito tempo e as pessoas já mandavam muito SMS quando os caras do Twitter decidiram focar na união das duas.

Pokémon GO, que foi a grande febre “tecnológica” por um tempo aí, nada mais é que uma nova versão do Ingress, jogo feito em 2012, com realidade aumentada (que é pesquisada faz uns 40 anos já e contando) e os personagens de uma franquia criada nos anos 80. No fim das contas, os ingredientes já existiam, mas faltava alguém pra achar a receita certa.

A verdade é que, todo esse texto só surgiu porque eu queria falar de inovação, vi que Duck Hunt seria um bom exemplo e parecia que ninguém tinha feito isso antes. E, mesmo que não tenha sido uma boa ideia, o importante é que você comece a pensar no mundo hoje não só como uma lista de realizações e feitos, mas também como um universo de coisas ainda a se fazer. Vai que nessa brincadeira você faz um jogo que vende 13 milhões de cópias, né?