A sustentação das funções básicas do corpo humano exige que uma quantidade mínima de calorias seja consumida por cada indivíduo diariamente. No entanto, como normalmente realizamos muitas atividades ao longo do dia e cada uma delas cobra de nós um pouco de energia, nosso consumo calórico precisa de um excedente, que dependerá da rotina de cada um. Poderíamos dizer, de forma simplificada, que num cenário ideal o consumo calórico de uma pessoa seguiria a forma:

consumo calórico = gasto calórico mínimo + gasto calórico do trabalho

Até poderíamos consumir algumas calorias a mais, ou a menos ,durante um período, mas os dois casos se tornam prejudiciais ao longo do tempo, especialmente para quem acaba ingerindo poucas calorias. Uma pessoa com ingestão calórica menor do que seus gastos mínimos tem de enfrentar a desnutrição, que pode trazer consigo uma pior capacidade muscular, deficiência de crescimento e mudanças psicológicas como a depressão, a falta de motivação, a introversão, etc. As consequências da desnutrição são muitas, mas seu reflexo sobre o mercado de trabalho é particularmente interessante.

Trabalhadores, para terem energia para gastar no seu trabalho, precisam de uma boa alimentação. Assim, é preciso comer para trabalhar, mas, pensando de outra forma, para acessar alimentos depende-se do dinheiro ganho no trabalho, logo seria preciso trabalhar primeiro, para então comer.

Essa relação circular entre alimentação e trabalho gera alguns problemas, especialmente para a população mais pobre. Nós podemos representar a relação entre a nutrição e a capacidade que cada um tem de trabalhar num gráfico como este:

Na primeira parte do nosso gráfico, em pontos mais próximos do eixo X, vemos que grandes contribuições na nutrição contribuem pouco para a capacidade de trabalho, porque nessa seção os incrementos em calorias ainda são dirigidos para suprir nossas necessidades básicas gastas pelo corpo para se sustentar e passam a estar disponíveis para o gasto com o trabalho. Desse ponto em diante o consumo de calorias acrescenta produção, embora esses acréscimos diminuam conforme a comilança aumente.

Assim, se uma pessoa começar a trabalhar a partir da seção verde (gráfico acima), ela estará numa boa situação, já que sua renda lhe dará condições de comprar os alimentos necessários para que o trabalho se mantenha, o que será convertido numa renda igual ou maior a inicial e assim ela seguirá melhorando sua  renda e, por consequência (como assumimos implicitamente no gráfico), sua alimentação e capacidade de trabalho. O problema está nos pontos anteriores à parte verde da curva.

Na seção vermelha, a renda disponível para o indivíduo ainda lhe confere pouca capacidade de trabalho, que se converterá em uma renda menor do que a inicial, piorando sua alimentação, fazendo com que ele consiga trabalhar ainda menos, o que lhe dará uma renda menor novamente, levando essa pessoa a uma espiral descendente. A isso dá-se o nome de armadilha da pobreza.

Embora esse modelo seja rico por apontar uma relação entre nutrição e trabalho, a solução desse problema não é simples e devemos ser cautelosos quanto às conclusões obtidas dele. Como afirma o professor Abhijit Banerjee em sua entrevista ao podcast EconTalk, é difícil assumir que as pessoas vejam essa relação claramente, ou de forma bidimensional em suas vidas, pois os ganhos são pequenos e viriam ao longo do tempo. Sendo assim, é provável que cada um estabeleça outras prioridades para seu dinheiro nesse meio tempo, que não adquirir alimentos; podemos encontrar indivíduos mal alimentados que ainda assim possuem uma TV, ou alguns cachorros para companhia. Esse tipo de comportamento motiva ações como as dos empregadores, que têm um incentivo a dar parte do salário de seus funcionários na forma de vales alimentação, ou planos de saúde, para garantir que ao menos uma parcela dos ganhos do trabalho sejam gastos em sua saúde e bem estar, aumentando a capacidade de sua força de trabalho. A dança de roda entre nutrição e trabalho é um fato, mas relembrando Quadrilha, de Carlos Drummond, pode ter gente ainda de fora dessa história.

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Guilherme Lopes é vale paraibano de nascença, economista de formação e caipira de coração. Curioso sempre que possível.